29/4/2011
por Dora Martins*
É importante não se perder na discussão vazia de se ser contra ou a favor do aborto, como se fôssemos contra ou a favor da vida.
Pergunte-se a quem quiser, e qualquer um vai dizer ser contra o aborto. E, convenhamos, nenhuma mulher acha bom ou agradável submeter-se a um abortamento, ou abortar, sozinha, seu feto.
O aborto acontece, quase sempre, no escuro da alma, no medo, na insegurança, na tristeza. Não é algo desejado e por isto não é defendido por ninguém. O que se coloca em discussão, e se faz necessário, é olhar para a questão do abortamento tal como ele se põe – uma questão de saúde pública, de saúde e de vida da mulher.
Uma revista feminina, neste mês, entrevistou as nove ministras do governo Dilma. E a todas foi feita a pergunta: “a senhora é a favor da legalização do aborto?”. Todas, de um jeito ou de outro, responderam que sim, que são a favor de a mulher ter o direito de abortar. Mas perderam, quase todas, uma boa oportunidade de, naquele tipo de veículo de comunicação, voltado ao chamado “público feminino”, apresentarem suas respostas de modo mais firme, contundente e esclarecedor. Especialmente por serem todas mulheres, a ocuparem um cargo expressivo no atual governo do Estado brasileiro. Estado este que ainda faz vistas grossas para um milhão de abortos feitos no país, anualmente.
Em alguns estados brasileiros, o aborto é a primeira causa de mortalidade materna. Abortos feitos aos milhares, todos os dias, na clandestinidade, sem qualquer cuidado, de modo precário e inseguro para a mulher. Milhares morrem; outras, se não morrem, suportam sequelas físicas e/ou psicológicas perenes. E, seguem todas, mortas ou vivas, com a pecha de criminosas. O que não se pode mais esconder embaixo do tapete é a discussão sobre a legalização do aborto, afastar dela a conduta criminosa. É por aí que se deve conduzir o debate e o foco da luta de todos, mulheres e homens.
Não se trata de querer adotar o aborto como meio de controle de natalidade, nem de tê-lo como algo desejável, indicado ou imposto a quem engravidou e não quer ou não pode ser mãe. Mas cabe reconhecer, sem hipocrisia, que tratar o aborto como crime, como figura criminal descrita no Código Penal, não é, e jamais foi, meio de evitá-lo. A criminalização do aborto não o inibe, nem é forma adequada para proteger a vida do feto e tampouco da mulher. Todos somos a favor da vida, sem dúvida. Todos não desejamos o aborto. Mas imprimir a quem o pratica o peso de um crime é querer fechar os olhos para a realidade e negar um gravíssimo problema de saúde que assola este país.
Mantendo o aborto como figura criminosa, sofre o Brasil um alto custo social, condenando milhares de mulheres à morte ou a suportar sérios comprometimentos à sua saúde. É preciso dar condições dignas de saúde à mulher que deseja e necessita abortar. É preciso educar homens e mulheres para uma vida sexual saudável e responsável. Afinal, o homem não engravida, não aborta, mas contribui com a geração de um filho. E, ao fazerem a lei, homens e mulheres, que nunca abortaram, devem ponderar essa circunstância antes de lançar um olhar condenador ou de censura à mulher que abortou ou quer fazê-lo. Ao contrário do que respondeu uma das ministras à pergunta da jornalista, o aborto não é apenas uma questão de “foro íntimo da mulher”, senão um direito dela de decidir e ter acolhida sua opção pelo Estado, que lhe deve proporcionar os meios para exercer tal direito.
É importante não se perder na discussão vazia de se ser contra ou a favor do aborto, como se fôssemos contra ou a favor da vida. Essa discussão foi usada de modo sórdido e perverso nas últimas eleições, mas em nada contribuiu para salvar vidas. Somos todos a favor da vida. Da vida do feto e da vida da mulher. Mas é preciso reconhecer que, enquanto o aborto continuar a ser considerado crime, apenas se estará a enviar milhares de mulheres, quase sempre pobres, à morte. O sistema penal, o crime e sua pena, não são meios eficazes de evitar a prática do abortamento. Outros meios existem para isso. Legalizar o aborto não significa ser contra vida, ou impor às mulheres a prática do aborto. Tirar o aborto da clandestinidade, afastá-lo da figura de um crime, apenas fará com que o tema se reduza ao que é: um problema grave de saúde pública. Nada mais. No mais, que o Estado, sem hipocrisia e sem se esquecer que é laico, adote políticas públicas que viabilizem o acesso da população aos meios contraceptivos, que preste educação e orientação sexual aos jovens. E que permita que a mulher que, sim, por questão de foro íntimo, deseje abortar, seja acolhida, respeitada e humanamente assistida e tratada neste momento que é de dor e jamais de prazer.
* Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.
** Publicado originalmente na Radioagência NP e retirado do site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)
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