O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Ferreira Gullar
Postado por Alcir. Aqui, mais um poema que escapa ao rótulo de "menina chorona". É poesia de compromisso com seu tempo, antenada à realidade, crítica e, acima de tudo, bela. Ferreira Gullar, poeta maranhense contemporâneo, vivo, acaba de receber o Prêmio Camões de Literatura, o mais importante em língua portuguesa, ele que escreveu o emblemático "Dentro da noite veloz", em homenagem ao Nosso Comandante Tchê, do qual reproduzo um trecho abaixo, pois é muito longo. Se alguém se interessar por lê-lo na íntegra, deve acessar meu blog Moskowilha, em um ensaio que escrevi sobre a canção "Vambora", de Adriana Calcanhoto, que faz citação desse maravilhoso poema.
Dentro da noite veloz
I
Na quebrada do Yuro
eram 13,30 horas
(em São Paulo
era mais tarde; em Paris anoitecera;
na Ásia o sono era seda)
Na quebrada do rio Yuro
a claridade da hora
mostrava seu fundo escuro:
as águas limpas batiam
sem passado e sem futuro.
Estalo de mato, pio
de ave, brisa
nas folhas
era silêncio o barulho
a paisagem
(que se move)
está imóvel, se move
dentro de si
(igual que uma máquina de lavar
lavando
sob o céu boliviano, a paisagem
com suas polias e correntes
de ar)
Na quebrada do Yuro
não era hora nenhuma
só pedras e águas
II
Não era hora nenhuma
até que um tiro
explode em pássaros
e animais
até que passos
vozes na água rosto nas folhas
peito ofegando
a clorofila
penetra o sangue humano
e a história
se move
a paisagem
como um trem
começa a andar
Na quebrada do Yuro eram 13,30 horas
III
Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
para vencer a batalha
Ernesto Che Guevara
Entrega-te à prisão
não basta ter razão
pra não morrer de bala
Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido
Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe
Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas
IV
Correm as águas do Yuro, o tiroteio agora
é mais intenso, o inimigo avança
e fecha o cerco.
Os guerrilheiros
em pequenos grupos divididos
aguentam
a luta, protegem a retirada
dos companheiros feridos.
(...)
PS:eu sei que é uma abestalhadice da minha parte, mas fiquei muito feliz quando vi o contador de acessos de nosso blog, que estava no número 1001. Quer dizer que eu fui o primeiro depois dos 1000? Que beleza!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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