Historiador: Brasil é mais conformista do que outros países
Dentro do projeto "De Tijuana à Terra do Fogo", que tematiza o bicentenário de independência dos países latino-americanos, o historiador João Pinto Furtado fala à Deutsche Welle a respeito dos mitos que envolvem a Inconfidência Mineira e dos preâmbulos da Independência do Brasil, que aconteceu em 1822.
Leia abaixo a íntegra da entrevista, em que Furtado ressalta a diversidade de perfis dos inconfidentes, compara o movimento às rebeliões ocorridas na Bahia e em Pernambuco e analisa como "nossa cidadania sempre foi muito mais trabalhada sob o signo da omissão que da participação".
Deutsche Welle: Você poderia situar a Inconfidência Mineira e o processo de independência do Brasil no contexto latino-americano?
João Pinto Furtado: A economia passava no final do século 18 por um período de reestruturação. As grandes nações europeias tinham construído toda uma máquina de arrecadação, um império colonial, uma série de relações que em certo sentido cotizaram o controle do mundo conhecido. Todas as áreas da América eram permeáveis de alguma forma à interferência de alguma dessas nações.
Mas ao longo do século 18, o próprio universo europeu começou a se transformar. Algumas ideias foram surgindo e reformatando a relação entre as antigas metrópoles e suas colônias. Dentro desse processo de reformatação, surge uma crítica muito veemente à ideia da colonização como um todo.
Alguns teóricos iluministas tentaram rever as relações entre as metrópoles e suas colônias. A ideia fundamental era a de que todos os povos teriam algum direito à própria autodeterminação e ao direito de dispor sobre seus próprios percursos. Essas ideias começaram a chegar às elites tanto norte quanto latino-americanas.
Na América Latina, essas ideias começaram a questionar inicialmente o estatuto colonial. No caso do Brasil, perguntava-se por que um país rico como este teria que remeter parte de suas riquezas a Portugal. Perguntava-se com frequência qual era a legitimidade disso. Pois esse Estado do século 18 era uma esponja – a metáfora é da época – que tentava sugar toda a energia vital das colônias e, de fato, não dava nada em troca. O Estado arrecadava porque julgava que era direito do rei e pronto.
No Brasil, isso foi criando uma situação de muita insatisfação, porque você tinha um sistema de aferição de riquezas de mão única e nunca voltava nada do Estado. Isso foi criando um descontentamento muito grande. Com o advento do Iluminismo e das ideias liberais ganhando campo, parte das elites começou a reproduzir parte dessa ideologia e com isso criou-se um sistema de insurgência. E o questionamento da ordem metropolitana, mercantilista.
Esses insurgentes pertenciam às elites locais?
Sim. Os libertadores de outros trechos da América Latina, como do vice-reino do Prata ou do vice-reino do Peru, todos eles tinham uma origem elitista. Muito frequentemente tinham descendência ou até eram estrangeiros, tinham uma origem branca e nunca usavam o ideário ou a identidade indígena como argumento.
Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará
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