Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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sábado, 13 de agosto de 2011

Uns chamam de vandalismo. Mas é democracia

Leonardo Sakamoto*

 

Quem vê pela TV o quebra-quebra e o fogaréu instalado em bairros de Londres e ouve as análises rasas de muitos “especialistas” e pitaqueiros de plantão imagina que a rebordosa se deu por grupos de criminosos inescrupulosos que querem destruir a pax britânica. Nada ou muito pouco sobre o desemprego e o desalento, a falta de perspectivas para os jovens, o corte de políticas sociais, a crise econômica e a longa recessão e a reação despropositada da incensada polícia inglesa. Que assassinou Jean Charles de tão preparada que é para lidar com situações-limite…

Nós jornalistas contribuímos com a manutenção desse pensamento raso quando tentamos simplificar um tema complexo como esse sem o devido cuidado. Há baderneiros, criminosos e aproveitadores entre os que protestam? Sim, claro. Sempre há. Mas por isso, vamos considerar a parte como o todo, numa metonímia preguiçosa, para dizer o mínimo, e ignorar que esse é um problema estrutural e não simplesmente um “caso de polícia”? Pelo jeito, sim, vamos.

Dêem uma olhada no vídeo a seguir, que me foi sugerido hoje por e-mail. É uma entrevista concedida à Globonews pelo sociólogo Sílvo Caccia Bava, coordenador geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique no Brasil. É função de um repórter garantir que um entrevistado revele posições, adotando a postura de o advogado do diabo se necessário for. Mas não sei se isso é o que aconteceu nesse caso:

Lembro-me de outra situacão ocorrida há dois anos e que trouxe aqui. Em perseguição a bandidos, a Guarda Civil do município de São Caetano do Sul invadiu a favela de Heliópolis, em São Paulo. Uma jovem morreu baleada. A população revoltada foi à rua, ateou fogo em ônibus. Queria protestar, se fazer ouvida. A polícia dialogou com balas de borracha e bombas de gás.

Autoridades não demoraram em chamá-los de vândalos. Parte da mídia comprou a idéia. Uma repórter, com os olhos arregalados do tamanho do mundo, demonstrava o pânico de quem nunca imaginaria que aquela massa disforme poderia decretar o fechamento de um bairro. A polícia falava em “contenção”, comentaristas na TV em “imposição da ordem”. Nada sobre as reais causas da morte. Nada sobre um Estado que não está nem aí para quem (sobre)vive nas franjas da sociedade. Nada sobre o fato de uma outra pessoa ter morrido em Heliópolis em uma situação semelhante não faz muito tempo. Por pouco não pediram para colocar esses miseráveis pulhas de volta para o lugar deles.

A polícia do Rio Grande do Sul mata um trabalhador rural (que procurava terra para plantar) e os sem-terra é que são vândalos. A Justiça despeja centenas de famílias humildes de um terreno em São Paulo (que procurava uma casa) e os sem-teto é que são vândalos. Jovens de classe média alta criam bandos para espancar e matar e moradores de rua e os sem-teto (que procuram simplesmente existir) é que são vândalos. Grandes obras de engenharia superexploram trabalhadores em nome do progresso, usando até trabalho escravo, e operários migrantes (que procuram o mínimo para ter dignidade), se cansam de tudo e resolvem por tudo abaixo para serem notados é que são vândalos. Fazendeiros invadem terras indígenas no Mato Grosso do Sul e prometem bala para quem cruzar a cerca e os indígenas que moravam ali (e procuram ser eles mesmos) é que são vândalos.

Vândalos somos todos nós que ainda nos indignamos com injustiças como essas. Uma vez que indignação nada mais é que vandalismo para quem está tão embutido no sistema e, por isso, ignora que ele não funciona a contento.


Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP e ex-professor na USP, trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

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