Uma apreciação menos maniqueísta da transição do governo Lula para o governo Dilma pode comprovar que ainda não ocorreu uma reversão completa do caminho trilhado pelos governos neoliberais, mas que ocorreram algumas mudanças importantes.
Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico.
Saímos da privatização dos ativos das empresas públicas para a consolidação das empresas estatais, que sobraram da privataria neoliberal, e para as parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado. O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado
de lado e há um processo, ainda não consolidado, de retomada do planejamento macroeconômico e macro-social.
O combate aos miseráveis transformou-se em combate à miséria e em esforço para elevar o poder de compra das camadas de baixa renda.
Aumentaram as taxas de emprego e tiveram início ações mais consistentes de apoio às micros e pequenas empresas. As estruturas educacionais e de saúde estão sendo reorganizadas, embora não na velocidade que seria desejável. E a construção de moradias tomou vulto.
Também deve ser destacado o esforço para introduzir no país uma democracia relativamente participativa, paralelamente à ampliação da democracia liberal formal. O mesmo pode ser dito em relação ao abandono das políticas de subordinação aos ditames das potencias imperiais e sua substituição por políticas soberanas de integração sul-americana e diversificação das parcerias internacionais.
No entanto, embora tudo isso seja positivo e necessário, não é suficiente diante das demandas da sociedade brasileira e das nuvens carregadas que estão se armando nos EUA e na Europa. A sociedade brasileira precisa de um projeto democrático popular. Este, no âmbito econômico, deve apontar, de modo mais consistente, para maior participação das empresas estatais, em especial nos setores estratégicos, e deve estimular a ampliação massiva do capitalismo
democrático, isto é, das micros e pequenas empresas privadas, urbanas e rurais.
O que não significa abandonar a política de reforçamento das empresas privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja necessária uma ação permanente do Estado para evitar
que elas tornem o mercado mais caótico do que normalmente é.
Tudo isso implica em adotar políticas macroeconômicas coerentes, que tratem não só de manter a inflação baixa, mas também de praticar juros favoráveis para aquele desenvolvimento, e tratem o câmbio como instrumento de política de desenvolvimento industrial. Deixar juros e câmbio à mercê das forças desbragadas do mercado é o mesmo que
atravessar estradas de alta velocidade fora das passarelas.
Se o governo Dilma demorar demais na configuração de um projeto desse tipo, que possa unificar mais firmemente as classes e setores sociais contraditórios que a levaram ao governo, a tendência pode ser um processo de desgaste constante em torno de problemas de corrupção, reais ou fictícios, ou em torno de divergências de porte menor.
Afinal, não são poucos os que consideram crescimento econômico com distribuição de renda insuficiente, mesmo para um governo de coalizão dirigido pela esquerda.
A presidenta tem razão em achar que isso não depende apenas da vontade do governo ou dos partidos de sua base. Realmente, para construir uma unidade de forças em torno de um projeto nacional, democrático e popular, será necessário que os partidos de esquerda botem mãos à obra, em conjunto, para elaborá-lo e colocá-lo em discussão na sociedade, mudando a pauta negativa que a direita tenta impor a todo custo.
Isso é tanto mais necessário neste momento em que as perspectivas de solução da crise econômica européia e norte-americana estão afundando no lodaçal perigoso de propostas políticas de direita e de ultra-direita. Os ricos se negam a pagar a conta de seus lucros abusivos e estão apelando para possíveis saídas militares. Como estas, na atualidade, parecem agravar, cada vez mais, justamente a situação dos que as praticam, os cenários tendem a ser crescentemente incertos.
Portanto, sem um projeto unificador, o governo Dilma pode ser apanhado no contra-pé.
wladimir pomar em 16-08-2011.
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