11/5/2011 - 10h19
por Leonardo Padura*
Havana, Cuba, maio/2011 – Com esperanças para alguns e com ceticismo para outros; com o medo e a satisfação pelo que virá ou poderá vir; até com o sentimento de que o projetado possa ser uma renúncia a velhos princípios ideológicos, ou com a certeza de que se trata apenas de uma maquiagem: de todas estas, e outras formas, às vezes tão antagônicas, foram recebidas na ilha e divulgadas pela imprensa internacional os acontecimentos ocorridos em Cuba nos últimos dias. Em nenhum caso, os acordos, as decisões, as projeções do recém-terminado VI Congresso do Partido Comunista de Cuba deixaram o mundo indiferente: Cuba tem um magnetismo (mórbido, em certas ocasiões, admirável, em outras) que tornaria impossível essa última reação.
Embora a notícia não tenha sido surpreendente, muito se falou da renúncia de Fidel Castro, o líder histórico, governante por mais de 45 anos dos destinos do Partido, do governo e do Estado cubanos, que decidiu passar a ser um simples militante do Partido – embora todos saibamos que será tudo, menos “simples”.
Mais surpreendente e comovedor (política e até humanamente falando) foi a proposta do novo primeiro-secretário e já presidente da República, Raúl Castro, de estabelecer a redução para dois períodos de cinco anos a permanência no poder das figuras que regerão os destinos da nação, seja no governo, no Estado e no próprio Partido, algo inédito na estrutura dirigente de um país socialista, onde as altas esferas costumam ser alteradas apenas com a morte. Falta ver como serão feitas essas substituições.
Esperada, também, foi a proposta de toda uma reestruturação de um modelo econômico obviamente esgotado, que buscará, com alternativas como investimento estrangeiro, trabalho, impostos e produção privada, a descentralização do Estado, a eliminação de travas burocráticas e a redução de subvenções. Todas estas medidas procuram a necessária competitividade mercantil reclamada com urgência por um país esmagado por uma interminável crise econômica e uma extraordinária ineficácia produtiva, e com uma sociedade deformada pelos modos como se tem acesso a bens e serviços.
A palavra mercado por décadas satanizada pelos círculos oficiais cubanos (até para a comercialização de livros) reapareceu, mas, antes e muito mais do que ela, se repetiu uma e outra vez o termo-chave que hoje deve se impor em Cuba: mudança. “Quanto serão profundas e radicais essas mudanças? Afetarão as essências econômicas e sociais do sistema, inclusive as políticas? Isto também está por se ver, mas o inquestionável é que as mudanças chegaram e continuarão chegando, nem sempre desejadas (para certos setores da direção do país), mas em todo caso inevitáveis, pois muitas delas já se instalaram em nossa sociedade e outras se impõem como uma reclamação dos tempos e da realidade cubana e planetária.
Pouco, quase nada, se fala de outras enraizadas transformações que deverão, ou deveriam, acompanhar as mudanças econômicas, sociais e até políticas propostas ou aprovadas. Mudanças, talvez, mais sutis, mas indispensáveis e não menos essenciais, entre as quais vale recordar as urgentes transformações na mentalidade verticalista, ortodoxa, fundamentalista, excludente, que, alimentada por anos, teve a capacidade de converter em suspeito, quando não em inimigo, todos o que discordavam das posições oficiais e pretendiam pensar com seus próprios neurônios e não com o que “o momento”, “a situação do país”, “a orientação que vem de cima”, permitiam e aprovavam. Há cinco, sete anos, alguém em Cuba que propusesse medidas como as adotadas pelo Congresso do Partido Comunista, seguramente teria sido rotulado de revisionista, inclusive de contrarrevolucionário e estigmatizado como tal por um setor do tempo das cavernas da burocracia governante.
Sem mudanças profundas nesta maneira de conduzir o pensamento e admitir a liberdade de expressá-lo pelos demais, será difícil instrumentalizar uma verdadeira cultura que se sustente sobre a necessidade de “mudar tudo o que deve ser mudado”, pois os acordos e as decisões do Partido não vão eliminar de um dia para outro a tendência de acusar (pelos de cima) e a reação de temer (pelos de baixo). Muitos anos e muitas acusações e medos se acumulam nas vidas e consciências dos cubanos para que esta transformação chegue de imediato, mesmo quando o certo é que, na Cuba de hoje, os níveis de permissividade e heterodoxia estão a distâncias siderais dos que existiram 30, 40 anos atrás, quando qualquer opinião fora do tom era considerada um “problema ideológico” ou um modo de dar “armas ao inimigo”, mesmo quando se tratasse da mais óbvia e dolorosa verdade.
Muitos anos de verticalidade política, de excessivo poder da burocracia, de considerar inimigo quem não pensasse exatamente igual são lastros que a projeção para o futuro das diretrizes sociais e econômicas aprovadas deve insistir em fazer desaparecer para que brote uma sociedade mais viva e audaz. Como também deve se desfazer a possibilidade de estigmatizar o inconformista, uma força à qual tantas vezes recorreu esta retardatária burocracia e, portanto, reacionária, responsável não só por incontestáveis desastres econômicos (pelos quais nunca pagou ou, se talvez o fez, o fez apenas com a perda de determinados privilégios), mas, sobretudo, promotora da subtração da cultura do diálogo e da inconformidade expressa como componentes da diversidade social. Essa necessidade de admitir o novo, o diferente, o heterodoxo que hoje, também, se reclama desde a direção partidária e governamental, quando o próprio Raúl Castro reconhece que “a primeira coisa a mudar dentro do PCC é a mentalidade, é o que vai nos custar mais, porque esteve atada durante anos a critérios obsoletos”.
Somente assim haverá verdadeiras mudanças em Cuba. Não apenas por decreto, mas também por consenso. Não unicamente promovidos de cima para baixo, mas também empurrados a partir de todos os rincões. Envolverde/IPS
* Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas e sua obra mais recente, El Hombre que Amaba a los Perros, tem como personagens centrais Leon Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.
(IPS)
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