Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A revolução e o poder



Há cinco anos, por ocasião do aniversário da revolução espanhola, editamos um livro intitulado Uma revolução silenciada, no qual se pode ler o trabalho O anarquismo e a revolução espanhola. Os anarquistas de ontem e os anarcoliberais de hoje. Um texto que aborda esta polêmica de plena atualidade sobre a revolução e o poder. Reproduzimos aqui uma parte deste artigo – que pode ser lido na íntegra no referido livro.
Os grandes acontecimentos, as convulsões sociais e, em especial, as que são vividas como derrotas trazem inevitavelmente uma revisão de valores. Há os que tomam essas experiências para enriquecer o pensamento revolucionário. Mas é bem verdade que há, e são muitos, os que encontram nesses fatos a prova “irrefutável” para condenar “como obsoleta” a tradição revolucionária. Empreendem, assim, a busca por uma “nova verdade” que, no fim, acaba sendo uma vulgarização de ideias do passado.
A história da luta de classes está repleta de exemplos destas condutas e os acontecimentos de 1989, com a queda do muro de Berlim e dos regimes stalinistas, foram fonte de inspiração de inumeráveis correntes e intelectuais que, considerando que “o socialismo morreu”, acabaram “jogando fora a água suja com a criança dentro” e empreendendo a busca desesperada pela “nova verdade”.
Um ataque generalizado de febre liberal em todas as esferas da vida foi um subproduto da derrubada dos regimes stalinistas do Leste Europeu. Em plena efervescência do “individualismo”, as ideias anarquizantes, libertárias, adquiriram uma enorme familiaridade. Na realidade, como afirma o personagem de O banqueiro anarquista, conto do ilustre escritor português Fernando Pessoa, “em tempos de decadência todo mundo é anarquista, os que o são e os que se ufanam de não sê-lo. Pois cada qual toma a si mesmo como regra”.
Para os novos ideólogos, empenhados em tomar a si mesmos como regra, a experiência do passado perde seu valor. A história carece de interesse especial e a “nova verdade” aparece longe, muito longe da ciência social, da base material: as ideias recriam-se nas próprias ideias, dando lugar à mística e tirando a tapas o “obsoleto” materialismo marxista.
Um dos intelectuais que, nos últimos anos, atingiu maior renome internacional na esquerda é o economista escocês John Holloway. Seu livro Como mudar o mundo sem tomar o poder, um livro cujo título é todo um programa, converteu-se em “guia” para uma parte da esquerda no mundo.
Mudar o mundo sem tomar o poder: uma ideia nova?
Segundo Holloway, “mudar o mundo por meio do Estado é o paradigma que predominou no pensamento revolucionário por mais de um século. (…) O paradigma do Estado, isto é, a suposição de que tomar o poder é central para a mudança radical, dominou, além da teoria, também a experiência revolucionária durante a maior parte do século XX. (…) A aparente impossibilidade da revolução no início do século XXI reflete, na realidade, o fracasso histórico de um conceito particular de revolução, o que a identifica com o controle do Estado. (…) Não veem que, se nos rebelamos contra o capitalismo, não é porque queremos um sistema de poder diferente, é porque almejamos uma sociedade na qual as relações de poder sejam dissolvidas. Não é possível construir uma sociedade de relações de não-poder por meio da conquista do poder. Uma vez que se adota a lógica do poder, a luta contra o poder já está perdida.”1
Para Holloway, “hoje, a única maneira possível de imaginar a revolução é como uma dissolução do poder”. “Este é, então, o desafio revolucionário no início do século XXI: mudar o mundo sem tomar o poder.” O zapatismo é apresentado como o modelo: “os zapatistas afirmaram que querem fazer o mundo de novo, que querem criar um mundo de dignidade, um mundo de humanidade, mas sem tomar o poder”. O “estatismo” aparece, assim, como o mal de origem, o fio condutor que une a todos, social-democratas, stalinistas, trotskistas… Todos no mesmo saco hollowayanodo “estatismo”.
O antagonismo entre capital e trabalho se desloca, agora, à “repulsão mútua do capital e da humanidade”, ao estilo de Toni Negri, e, contra a resposta reformista e a “revolucionária tradicional”, haveria uma terceira via: o “arquipélago de poderes”, a “construção de autonomias”. Admiradores de Holloway expressam-no assim: “Aquilo que me parece essencial da mensagem que os zapatistas nos mandam é uma reflexão mais profunda sobre o poder, que não é o Poder, mas, sim, um arquipélago de poderes. Uma concepção que nos diz que não é possível tomar o poder, porque o poder não é um lugar: uma Bastilha ou um Palácio de Inverno. O poder está difuso na sociedade, o poder é uma multiplicidade de relações sociais para as quais é preciso dar alternativa uma a uma e na globalidade.”
A alternativa em todas as partes é a democracia irrestrita, a construção da autonomia em todos e cada um dos níveis. Daí que a ideia de rede não é só uma ideia simpática, mais ou menos ingênua. Pelo contrário, só construindo redes, contrapoderes reais, só criando lentamente espaços de rebeldia é que se pode pensar em mudar as coisas e em mudar a sociedade.2
Mas esta “nova estratégia revolucionária” que nos propõem para o século XXI é realmente nova?
O rigor científico e a velha “nova verdade”
John Holloway é um reconhecido professor da Universidade de Edimburgo e, desde 1993, professor de sociologia no Instituto de Ciências Sociais e Humanidades em Puebla, México. Em 1962, Thomas S. Kuhn, um físico norte-americano, publicou um trabalho que acabaria sendo uma referência mundial, A estrutura das revoluções científicas. A ele deve-se o termo de paradigma, entendido como o marco de referência que atinge um ramo da ciência em um determinado momento histórico e que se converte no ponto de partida obrigatório da investigação científica, seja para reafirmá-la, aperfeiçoá-la ou diretamente para refutá-la. Para Kuhn, “uma vez descoberto um primeiro paradigma através do qual se vê a natureza, já não existe a investigação com ausência de paradigmas”.
Holloway sustenta sua teoria-programa (“fazer a revolução sem tomar o poder”) omitindo o rigor científico que Kuhn aponta. Começa desconsiderando a história, não partindo dos que ostentam de forma irrefutável o paradigma do antipoder, da antipolítica…, isto é, do anarquismo. Holloway afirma, de passagem, que “até há pouco, o debate teórico e político (ao menos na tradição marxista) estava dominado por estas três classificações: Revolucionário, Reformista e Anarquista”. E sentencia, várias linhas depois, que “ambos os enfoques, o ‘reformista’ e o ‘revolucionário’, fracassaram por completo em cumprir com as expectativas de seus defensores entusiastas”. Consequentemente, fracassadas as estratégias de reformistas e revolucionários, a história só reafirmaria uma: a anarquista. No entanto, Holloway abstém-se de reivindicá-lo.
Mais ainda, afirma desconhecer como é possível “mudar o mundo sem tomar o poder”: “Os leninistas sabem o que fazer ou costumavam sabê-lo. Nós não. A mudança revolucionária é mais desesperadamente urgente que nunca, mas não sabemos o que significa ‘revolução’. (…) Perdemos toda a certeza, mas a abertura da incerteza é central para a revolução”. Holloway deveria recordar Kuhn com certa inquietação: para o físico norte-americano, “refutar um paradigma sem substituí-lo por outro é refutar a própria ciência”.3
Na realidade, as teorias de Holloway e de seus seguidores estão muito longe de constituir alguma novidade. Não passam de uma volta ao passado, de retroceder o pensamento para uma febril versão liberal das teorias do antipoder e da antipolítica, cuja audiência só se explica pelo que assinalava o personagem de Pessoa: nos tempos de confusão ideológica, de liberalismo febril acrescentemos, “todo mundo é anarquista, os que o são e os que se ufanam de não sê-lo. Pois cada qual toma a si mesmo como regra.
A revolução espanhola: a prova de fogo do anarquismo
Os seguidores das teorias de Holloway e do antiestatismo em geral deveriam estudar as lições da revolução espanhola. Não encontrarão na história um exemplo mais vivo, rico e heroico para ver, à luz dos acontecimentos, as consequências das teorias do antipoder e da antipolítica, dos “arquipélagos de poderes”, da “construção de autonomias” e da “democracia irrestrita”.
Todos os governos são detestáveis e nossa missão é destrui-los”, “todos os governos, sem exceção, são igualmente maus, igualmente desprezíveis”, “todo governo é liberticida4, repetiam os dirigentes anarquistas da FAI e da influente CNT. “Para nós, todos os políticos são iguais em demagogia eleitoreira, em escamotear os direitos do povo, em seu afã de notoriedade, em arrivismo, em acordo para criticar quando na oposição e em cinismo para se justificar quando no poder.” “Nós não precisamos de governo nem de Estado. Os burgueses necessitam deles para que defendam seus interesses. Nossos interesses são unicamente o trabalho e podemos defendê-lo  sem necessidade de Parlamento.”5
No entanto, a revolução desencadeada depois do levante operário do dia 19 de julho colocou (como ocorre cada vez que se produz esse momento histórico excepcional que é uma revolução social) o problema do poder no centro da situação. Na verdade, a revolução não é nada mais que a luta pelo poder.
Comitês revolucionários em todos os lugares, barricadas, as fábricas nas mãos dos trabalhadores, operários armados constituindo milícias e patrulhas de controle, organizando a distribuição, o transporte, a saúde…, um autêntico “arquipélago de poderes” operários. Em um velho trabalho de Abel Paz reeditado recentemente, o escritor anarquista relata como a CNT era “dona da situação”. Quando a delegação desta organização reuniu-se com o Presidente da Generalitat, Companys disse a eles: “Vocês sempre foram perseguidos duramente. E eu, com muita dor (…) vi-me obrigado a enfrentar-me e a persegui-los. (…) Hoje são donos da cidade e da Catalunha. (…) Vocês venceram e tudo está em seu poder. Se não precisam de mim ou não me querem como presidente da Catalunha, digam-me agora, que eu me tornarei um soldado a mais na luta contra o fascismo.6
A classe operária, com a CNT à frente, era dona da situação, da democracia irrestrita para os trabalhadores, do arquipélago de poderes operários, dos “contrapoderes”, das “autonomias” construídas em toda a parte. E qual foi a política dos inimigos jurados do estatismo? Segundo o dirigente anarquista García Oliver: “A CNT e a FAI decidiram-se pela colaboração e pela democracia, renunciando ao totalitarismo revolucionário que haveria de conduzir ao estrangulamento da Revolução pela ditadura. Confiava na palavra e na pessoa de um democrata catalão e mantinha e apoiava Companys na Presidência da Generalitat.7 Já Abad de Santillán assinala: “Podíamos ficar sozinhos, impor nossa vontade absoluta, declarar a Generalitat caduca e colocar em seu lugar um verdadeiro poder do povo, mas não acreditamos na ditadura quando era exercida contra nós e não a desejávamos quando nós mesmos podíamos exercê-la à custa de outros. A Generalitat deveria ficar em seu lugar com o presidente Companys à cabeça”.
Os inimigos declarados do Estado e de qualquer governo acabaram apoiando um governo em ruínas, colaborando com a reconstrução do arruinado Estado burguês e, em menos de quatro meses, colocando quatro ministros anarquistas no governo de Largo Caballero. A revolução espanhola mostrou de novo que uma revolução, quando irrompe, não deixa espaço para a simples negação do Estado, mas, sim, que exige, além disso, sua conquista. A tese central do anarquismo de passar do Estado capitalista à anarquia, dissolvendo o Estado, dissolvendo todo o poder, sem transição alguma, isto é, fazer a revolução sem tomar o poder, foi enterrada em meio ao drama da revolução espanhola de 1936.
Os dirigentes anarquistas de então, como os anarcoliberais febris de hoje, ao estilo de Holloway, apresentam o Estado à maneira hegeliana, como o subproduto da “ideia moral”. O Estado, ou sua ausência, seria algo deixado à vontade coletiva e moldado conforme nossas ideias preconcebidas. O marxismo defendeu, contra essas concepções idealistas, que “o Estado é o produto e a manifestação do antagonismo irreconciliável das classes (…) que aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados (…) que é um órgão de dominação de classe e (…) que o proletariado não pode derrubar a burguesia se não começa por conquistar o Poder político, [transformando] o Estado no ‘proletariado organizado como classe dominante’.”8 Só quando as classes tenham sido definitivamente eliminadas, o Estado se extinguirá e o poder político será substituído pela simples administração das coisas.
Apresentar, no século XXI, a volta à democracia, a soberania dos cidadãos, os espaços de contrapoder… como as “novas” estratégias para a transformação social não passa de uma piada. Já faz tempo que o social-democrata alemão Bernstein defendia que bastava prosseguir com as cooperativas e aprofundando os espaços de poder conquistados para ir “desalojando sucessivamente a classe capitalista”. A estratégia de “transformação pacífica e gradual” foi o lema do reformismo há mais de um século e meio. Mas, como já diziam naquela época os marxistas revolucionários, a premissa de semelhante estratégia é esperar que as classes exploradoras (os imperialistas, acrescentamos hoje), que dispõem do poder político e militar de seus respectivos Estados, considerem conveniente permitir que os espaços de contrapoder se desenvolvam até acabar com o domínio capitalista, sem se opor a tal processo nem tratar de impedi-lo a sangue e fogo. No entanto, naquela época e ainda mais agora, tudo indica que essa resistência só poderá ser quebrada por um enérgico deslocamento de forças, isto é, uma revolução que assalte o Estado.
Toda a experiência revolucionária da classe operária desde a Comuna de Paris, em 1871, até os dias de hoje mostra que não há a menor opção de transformação revolucionária da sociedade, de acabar com o capitalismo e o imperialismo, sem a destruição do Estado burguês e sua substituição transitória por um poder operário, por um Estado dos trabalhadores, pelo que o marxismo revolucionário historicamente designou como ditadura revolucionária do proletariado. Por sorte ou por azar, a estratégia revolucionária do século XXI vai continuar tendo como centro a política para o Estado e a luta pelo poder. 70 anos depois da revolução espanhola, este assunto continua sendo a linha divisória entre reformistas e revolucionários.



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