O que pensar de um lugar chamado Mosqueiro, conhecido popularmente como “A Bucólica”? A bucólica Ilha do Mosqueiro, embora o seu nome possa induzir à imagem de um lugar entregue às moscas, é o local de veraneio preferido da maior parte da população da região metropolitana de Belém. E não é de hoje que esta ilha com cerca de 212 km² no estuário dos rios Amazonas e Tocantins atrai àqueles que querem um bom descanso e repor suas energias.
Embora hajam várias versões para a origem do seu nome, como local de desembarque de piratas ou como referência à, também pacata, vila portuguesa homônima, a mais popularmente aceita faz referência à técnica do moqueamento, isto é, uma forma de fumeiro lento feito em carnes e, especialmente em peixes, sobre trempes de madeira, que eram trazidos das baías do Marajó e Colares, ou mesmo da costa norte da ilha. No processo, pequenos cortes eram dados para melhor penetração do carbono – as mosqueias. Ao sul da ilha do moqueio (que depois, por corruptela, tornou-se Ilha do Mosqueiro) eram tratados estes produtos antes de serem levados à comercialização no mercado do haver-o-peso (conhecido atualmente como Ver-o-Peso), desde o século XVII. Já nesta época, as suas praias eram local estratégico para esta paradinha antes de seguir viagem.
Ocupada pelos índios tupinambás, é interessante notar que essa nação tradicionalmente guerreira não se importunasse com essas visitas fortuitas. Não creio que seja possível atribuir a este caso as propalada preguiça indígena. Defendo, contudo que deva haver uma relação indissociável entre a Ilha do Mosqueiro e uma certa vocação para a preguiça e a tolerância.
O primeiro núcleo de ocupação da ilha se fez ao norte, na vizinhança das piscosas baías do Sol e de Colares, de onde retiravam o pescado – nada mais cômodo – e lá surgiram as primeiras fazendas para o cultivo do gado e do ócio. O sul da ilha, no entorno de onde atualmente temos a praia do Areão, foi pouco a pouco sendo ocupado surgindo um novo núcleo urbano. Isto nos faz crer que a paradinha para a defumação do pescado foi se tornando cada vez mais longa...
Fato a se destacar é que seus 17 quilômetros de praias, cada uma com características geomorfológicas e paisagísticas diversas, são convite irrecusável ao ócio. Como resistir, sob o sol ou chuva equatoriais, à proteção dos ajirus, taperebazeiros, cupuaçuzeiros, murucizeiros e outras frutíferas, ao cheiro de peixe a assar lentamente, a brisa das praias de água doce com ondas? Isto sem contar os banhos nos gelados igarapés ou, vencendo o interior da ilha, nos rios que entrecortam matas densas de terra firme e manguezais!
Neste ritmo Mosqueiro foi se desenvolvendo até a população ser elevada à categoria de freguesia em 1868 e à vila em 1895, sendo a porção sul a sua sede.
Um lugar como esse não ficou alheio ao influxo econômico do ciclo gomífero do limiar dos séculos XIX e XX. Tendo a Vila uma ocupação crescente, a cerca de 40 quilômetros, por mar, da cidade de Belém, facilitou o acesso àqueles que queriam construir vivendas para o seu descanso. Desta forma, tanto os ingleses da "Pará Electric Railways Company", responsáveis pela instalação de energia elétrica e de meios de transportes interno, quanto alemães, franceses e americanos, funcionários de companhias estrangeiras como a "Port of Pará" e a "Amazon River", e mesmo os endinheirados seringueiros, balateiros e grandes comerciantes da época elegeram a Ilha como local ideal para o descanso. Muitos, inclusive, para se pouparem da jornada por terra até os seus chalés, construíam à frente destes seus trapiches e portos particulares, como os ainda existentes Portos Franco e Artur. Nem se esforçavam em entender esta terra: repetiam nestas plagas a tipologia arquitetônica nórdica e curavam-se de todos os males físicos e espirituais deitados em suas redes acompanhando o remanso da maré.
Atualmente podemos reafirmar esta vocação ao ócio. Não só pelas benesses divinas de seu clima e paisagem, mas por ser tratada como cidade turística de segunda residência. Alheios ao fato de sua população residente vir crescendo ao longo das últimas décadas – especialmente após a construção da ponte Sebastião R. Oliveira, inaugurada em 1976 que permite a ligação rodoviária Belém-Mosqueiro através de 86 quilômetros de estradas em quase duas horas de viagem – não existem indústrias ou mesmo comércio de grande porte nesta ilha que possui dimensão maior que a porção continental do município de Belém. Conseqüentemente o maior empregador é o poder público. Isto é, ou se é funcionário público (com todo o seu estigma) ou pescador, artesão, pequeno empreendedor,... atividades sazonais que levariam a população se esforçar no trabalho umas duas ou três vezes por ano: carnaval, julho e reveillon.
Como disse certa vez uma das herdeiras do mais tradicional hotel do Mosqueiro, o Farol: “Mosqueirense passa o dia esperando a maré encher para ver ela vazar. Passa o ano esperando julho chegar...”
Texto produzido em 2007 e publicado na Revista Pará+, quando eu completava sete anos como mosqueirense.
Escrito por Crodia, trata-se de excerto do blog Overmundo. Postado por Alcir.
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