Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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domingo, 16 de outubro de 2011

Pagar mais e chorar menos

 

Ricos reclamam mais, pobres pagam mais. O sistema tributário precisa tirar a carga do consumo, criar alíquotas mais justas e progressivas e taxar as grandes fortunas

Por: Vitor Nuzzi

Publicado em 14/10/2011

Pagar mais e chorar menos

Buffet acha que milionários têm de pagar mais (foto: © Rick Wilcking/Reuters)

Ricos do mundo, uni-vos. Os milionários estão sendo chamados a colaborar no combate à crise mundial. Uma das bíblias do mercado, a revista The Economist, já detectou o movimento de caça aos ricos. O bilionário Warren Buffett, com patrimônio estimado em US$ 50 bilhões, declarou que os ricos deveriam pagar mais impostos, afirmando que, proporcionalmente à sua renda, seu secretário recolhe mais tributos. Alguns países europeus aumentaram a cobrança de imposto para pessoas de maior renda, com o objetivo de reduzir seus déficits, e as declarações de Buffett teriam inspirado alguns milionários mundo afora. Polêmica à parte, as medidas podem servir para uma discussão séria sobre justiça tributária.

Charge pobre
Famílias que ganham até dois salários mínimos gastam 49% da renda em tributos

Um dos apoiadores desse tipo de proposta é o presidente da CUT, Artur Henrique. “Você tem uma parcela de multimilionários que poderiam pagar mais sobre a sua renda”, afirmou o sindicalista à Rádio Brasil Atual. A propósito, o número de milionários brasileiros – aqueles com mais de US$ 1 milhão na conta – cresceu 6% em 2010 e atingiu 155 mil pessoas, conforme levantamento do Merrill Lynch Global Wealth Management e da consultoria Capgemini.

Assim, o Brasil seguiu em 11º lugar na lista mundial, liderada pelos Estados Unidos, com seus 3,1 milhões de milionários, 8% a mais que em 2009. As crises não impediram que o contingente de endinheirados aumentasse. Esse total chegou a 11 milhões no ano passado, aumento de 8% sobre 2009. A única ressalva é que o crescimento foi menor que no ano anterior (17%).

Para o presidente da CUT, a recente discussão sobre a Emenda Constitucional 29 (sobre gastos de estados e municípios com saúde) e a respeito da necessidade de ampliar verbas para a saúde pública representa uma boa chance de rediscutir “uma reforma tributária digna do nome”, incluindo o conceito de progressividade – quem tem mais renda paga mais; quem tem menos paga menos. Um dos instrumentos, na opinião do sindicalista, seria a criação do imposto sobre grandes fortunas.

Charge rico
Famílias com renda acima de 30 salários mínimos usam 26% da renda em tributos

O consultor Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra em artigo que o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição de 1988, mas depende de lei complementar nunca aprovada. “O IGF poderia ser cobrado de forma progressiva, arbitrando-se um nível mínimo de isenção”, sugere. “O imposto sobre o patrimônio é cobrado com sucesso há vários anos na França, Espanha, Grécia, Suíça e Noruega. Não deu certo em alguns países, como Áustria, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Luxemburgo, mas pode dar certo no Brasil. Só saberemos se o testarmos.”

Na Câmara, há um projeto do deputado Dr. Aluízio (PV-RJ) que cria a Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF), com cobrança sobre patrimônios a partir de R$ 5,52 milhões e destinação exclusivamente para a saúde. A relatora é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Mordida precoce

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, observa que a arrecadação tributária ainda é concentrada na população de baixa renda. “Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos”, diz o economista. Em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a estimativa do Ipea é de que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado por meio de abatimentos na declaração anual dos segmentos que podem gastar com educação, saúde e previdência privadas.

Para Pochmann, poderia haver mais alíquotas do Imposto de Renda, e ainda maiores, desde que atingissem outras faixas de renda. Hoje, existem quatro: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. E começam “cedo” a tributar o assalariado. A partir de R$ 1.566,61 – valor que está abaixo da remuneração média do mercado formal de trabalho. Uma das recomendações do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão consultivo da Presidência da República formado por representantes da sociedade, é justamente ampliar o número de alíquotas, “para evitar distorções especialmente para faixas de renda mais baixas”. O economista também sugere, entre outras medidas, tornar progressivo o IPTU, imposto cobrado pelas prefeituras. “As favelas pagam proporcionalmente mais do que as mansões”, afirma. E avança no raciocínio ao defender medidas como IPVA maior para veículos como lanchas, iates, jatinhos.

“Os que criticam os impostos são os que menos pagam”, diz Pochmann. Ele cita ainda o “impostômetro”, o painel eletrônico que simula a evolução da soma de todos os tributos (municipais, estaduais e federais) do país, em tempo real, instalado pela Associação Comercial de São Paulo no centro da cidade. “É estranho que esteja instalado numa parte rica da cidade.”

A questão é que em países europeus e nos Estados Unidos os ricos estão sendo chamados a “colaborar” por causa da complicada situação fiscal dos governos. Na Espanha, por exemplo, o imposto sobre patrimônios acima de € 1 milhão deverá atingir aproximadamente 150 mil pessoas e arrecadar pouco mais de € 1 bilhão por ano. Trata-se de uma taxação que já chegou a existir e está sendo recuperada agora, em tempo de crise. Na França, o governo já anunciou um imposto, temporário, de 3%, sobre a renda de quem recebe acima de € 500 mil por ano.

Iniciativa semelhante estaria sendo preparada por Barack Obama para reduzir o déficit fiscal norte-americano, com uma proposta de imposto voltado a quem ganha mais de US$ 1 milhão por ano. Teria o significativo nome de ­Buffett rule (regra Buffett), em referência ao milionário. “Não é luta de classes”, argumenta Obama, segundo The Economist. “É matemática.” Para a revista, a questão é política e desperta um debate fundamental na sociedade ocidental: quem sofre as consequências do endividamento público? Normalmente, são os pobres. Enquanto isso, alguns dos responsáveis pela crise voltaram a ganhar no jogo globalizado.

Descompasso

Levantamento divulgado no início do ano pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostrou que as pessoas com pelo menos R$ 1 bilhão em aplicações, ou 63 mil cidadãos de alta renda, fecharam 2010 com R$ 371 bilhões investidos em bancos. O presidente do recém-criado Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, lembra que a regressividade do sistema tributário aumenta o fosso entre ricos e pobres. “E todos sabem, embora poucos comentem, que o sistema tributário nacional trata de forma anti-isonômica as rendas em função de sua origem, isentando do Imposto de Renda, por exemplo, a distribuição de lucros aos sócios e acionistas das empresas, ou sujeitando a alíquotas mais brandas os rendimentos de aplicações financeiras”, descreve.

A arrecadação tributária no Brasil, que em 2010 representou 33,56% do PIB (segundo dados da Secretaria da Receita Federal), é concentrada no consumo. Assim, um cidadão que tem renda de um salário mínimo por mês, embora não tenha Imposto de Renda descontado no holerite, sofre no preço do pãozinho e do leite a mesma tributação que o bilionário Eike Batista. Os tributos sobre bens e serviços representaram 16,3% do PIB, enquanto os tributos sobre folha de pagamentos corresponderam a 8,78% e sobre a renda, a 6,18% (sobre transações financeiras, a 0,72%).

Relatório de 2010 do CDES já afirmava que, em relação ao sistema tributário, “o Brasil tem caminhado no sentido contrário ao da justiça fiscal”. A injustiça se materializa ao desrespeitar o princípio da equidade. “Em decorrência do elevado peso dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação, pessoas que ganhavam até dois salários mínimos em 2004 gastaram 48,8% de sua renda no pagamento de impostos e as famílias com renda superior a 30 salários mínimos, 26,3%.”

Para Artur Henrique, iniciativas como a de Buffett e outros podem significar que “eles sabem ser mais vantajoso ter uma parcela um pouco menor numa sociedade de economia mais dinâmica e com melhores condições de vida”.

O governo tende a apresentar uma reforma tributária “fatiada”, dividida em quatro etapas, para tentar facilitar a tramitação no Congresso. Um dos itens é a desoneração da folha de pagamentos, que preocupa os trabalhadores pelos possíveis efeitos negativos à Previdência. “Consideramos que para alguns setores isso vai ser muito importante. Para outros setores, pode não ser essa a forma melhor de desoneração”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff, em discurso no final de setembro.

Outros itens a serem discutidos incluem mudanças no ICMS, imposto estadual que já provocou muito estrago nas relações entre unidades da Federação. Um primeiro passo foi dado com a aprovação do projeto de ampliação do Supersimples. Mas, em qualquer mudança, toda reforma precisa incluir um conceito simples, mas nem sempre lembrado, de justiça social.

Repostado do portal Rede Brasil Atual/CUT.

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