Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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terça-feira, 8 de maio de 2012

Tormento luso sonho tropical

Revista do Brasil - Edição 70 - Abril de 2012

Mundo

Pela primeira vez em 20 anos entrou mais gente no Brasil do que saiu. Classe média portuguesa, desencantada porém qualificada, vê na antiga colônia esperança de oportunidades

Por: Maurício Hashizume

Publicado em 20/04/2012

Tormento luso sonho tropical

(Foto: Rafael Marchante/Reuters)

Crise instalou-se nos últimos anos, com queda de até 30% no poder de compra

É raro encontrar entre jovens de Portugal alguém que não tenha algum parente ou ao menos uma pessoa conhecida com planos de tentar a sorte em outros países. E o Brasil vem se apresentando como um dos destinos mais procurados. Levantamento da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, ligada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) do governo luso, estima entre 100 mil e 120 mil o número de pessoas que deixaram o país no ano passado. Segundo o órgão, aumentou o fluxo em direção ao Brasil, Angola, França e Suíça.

Para Pedro Rodrigues, de 31 anos, o Brasil é “paixão antiga”. Funcionário há oito anos na área administrativa da Escola de Estudos Avançados da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Feuc), ele já pensou muitas vezes em se aventurar, mas admite que a intensificação da crise na Europa tornou o projeto mais premente. “Tenho a sensação de que posso ir e nunca mais voltar”, diz. O que mais atrai Pedro, que já fez uma série de cursos técnicos na área de tecnologia da informação e vendas, é a expectativa de crescimento seguro da economia brasileira.

A onda de interesse inspira uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo brasileiro a elaborar proposta de uma nova política nacional de imigração. A ideia é reduzir trâmites burocráticos para tentar atrair pessoas com formação avançada, ao mesmo tempo em que deixa em segundo plano os contingentes de escolaridade mais baixa. Esse aceno de privilégios para uma “elite” suscita críticas. Tanto daqueles que defendem a ampla garantia de direitos e oportunidades aos que escolhem o Brasil para viver (independentemente de sua formação, nas mesmas bases da anistia concedida em 2009 a estrangeiros não portadores de documentos regulares) como dos que condenam a falta de investimento interno contínuo e efetivo na educação.

Mesmo sem haver ainda uma nova política, o número de trabalhadores imigrantes em território nacional vem subindo. De acordo com o Ministério da Justiça, o salto de 2010 para 2011 foi de 57%, chegando a um contingente de 1,5 milhão. A balança migratória foi invertida: pela primeira vez nos últimos 20 anos entrou mais gente do que saiu. Em 2011 foram ainda expedidos 32% mais vistos de trabalho. Para portugueses, a quantidade dobrou. No primeiro semestre do ano passado, 52 mil vistos foram concedidos a portugueses que vivem no Brasil.

Mais que um oceano a separá-los

Há tempos

O primeiro sinal concreto de crise sentido pelo português Pedro Rodrigues, já em 2008, foi o corte do trabalho aos sábados, que engordava o salário. A partir de então, convive com dificuldades permanentes e responsabilidades acumuladas. No ano passado, ele e mais seis pessoas estavam no final de um contrato temporário de três anos com a Universidade de Coimbra. Foi o único que permaneceu e, dadas as sucessivas medidas de austeridade dominante, crê que “mais portas se fecharão”.

A taxa média de desemprego em Portugal em 2011 foi de quase 13%, uma das mais elevadas entre países da União Europeia. A gravidade da crise é maior para a juventude. Na avaliação do sociólogo Elísio Estanque, professor da Feuc e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da universidade, a emigração desse segmento evidencia um “erro duplo”. Primeiro, o desperdício dos investimentos feitos na formação desses jovens qualificados; segundo, a perda dessa força de trabalho, cujo conhecimento deveria impulsionar a reestruturação do país.

Em seu livro A Classe Média: Ascensão e Declínio, Elísio traça um panorama histórico-social. Para tratar do presente, cita o legado controlador e conservador cristalizado durante as décadas de ditadura – encerrada apenas em abril de 1974 – e aponta uma combinação de fatores, como o incipiente processo de industrialização e certa noção de dependência crônica do Estado na cultura da classe média.

Tal processo só veio a se consolidar no ambiente democrático na passagem para a década de 1980, com a aglomeração urbana e o alargamento da base de serviços públicos, como saúde e educação, e do funcionalismo a ele associado. “A classe média surgiu em Portugal quando já dava sinais de fadiga em países mais centrais do norte da Europa”, comenta Elísio. E passou a se “iludir” com uma série de “ficções” de dentro e de fora de Portugal.

Nesse período, a principal “promessa” era que, com as obras financiadas pelos fundos estruturais e o poder de compra para consumo (financeirização da economia e profusão de empréstimos, dos quais a classe média não tinha como escapar e, na realidade, atenderam a interesses privados), Portugal estaria se aproximando dos países mais ricos. Setores estratégicos – como a agricultura e a pesca – foram rifados nos dez anos (1985-1995) em que o então primeiro-ministro era o atual presidente Aníbal Cavaco e Silva, do Partido Social Democrata (PSD).

O aporte educacional, técnico e na produção científica e tecnológica não se traduziu em projetos econômicos concretos. E o que restou dos poucos setores industriais – como o têxtil e o calçadista – foi abalado pela ascensão dos asiáticos. “De certo modo, a crise cá estava antes mesmo de chegar”, adiciona o pesquisador, que pensa, ele próprio, em passar um tempo no Brasil para desenvolver pesquisas com universidades sobre a classe média.

Pacotes de maldades

Estima-se que o poder de compra da população tenha caído de 25% a 30% nos últimos anos. Os processos de cidadãos acolhidos pelo Gabinete de Apoio ao Sobreendividamento da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor saltaram de 152, em 2000, para 4.288, em 2011. Em função do programa de assistência econômica e financeira comandado pela famigerada “troika” – Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu –, o governo português cortou abonos de final de ano e de férias de servidores públicos e aprovou meia hora diária a mais de trabalho sem aumento de salário para o setor privado.

O que já parece ruim ainda pode piorar. Uma plataforma de reformas trabalhistas no âmbito da “concertação social” foi firmada em janeiro e enviada à Assembleia da República. O acordo envolveu governo, entidades patronais e a União Geral de Trabalhadores (UGT), que representa aproximadamente 30% das entidades sindicais e tem ligação com o Partido Socialista (PS). O termo reduz férias, facilita demissões, diminui o adicional de horas extras e suprime feriados.

A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), maior central do país, com cerca de 60% das agremiações de representação dos trabalhadores, deixou as negociações e não ratificou o acordo. Guadalupe Simões, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, considerou as medidas inaceitáveis. “Querem acabar com o Estado Social”, protesta. Segundo a sindicalista, a proposta da “concertação social” estende ainda flexibilizações do setor privado ao setor público e abre margem para que empregadores desloquem funcionários de uma região para outra sem compensações, assim como permite jornadas semanais de até 60 horas.

Em reação, a CGTP-IN tem convocado greves gerais para condenar a situação de desemprego e precariedade das condições de trabalho, em contraposição a um “protecionismo a instituições e grupos financeiros”, levada a cabo pelo governo de direita formado pela coalizão PSD e Centro Democrático Social (CDS), sob o comando do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.

“No contato com as pessoas, notamos que a insatisfação é cada vez maior. Mas também cresce a necessidade de obter recursos básicos para a sobrevivência. O risco de desconto na remuneração equivalente a um dia de paralisação (no caso de participação nas manifestações) ameaça o orçamento de muitas famílias. Isso contribui para a desmobilização”, constata Guadalupe.

Mesmo sem nunca ter estado no Brasil, Pedro Rodrigues considera ter uma boa noção do país pela diversidade de cidadãos brasileiros que já conheceu em Coimbra. “Sei que cada região tem características próprias, mas uma coisa comum em todos os relatos que ouço é o ritmo econômico acelerado”, diz. O anseio de conhecer os trópicos ficou maior quando um de seus amigos se mudou para São Paulo para trabalhar como barman na noite da maior cidade do país. Conseguiu arrumar um bom emprego em uma casa frequentada por endinheirados de generosas gorjetas e se instalou em um espaçoso apartamento na metrópole. Pedro só tem medo de ser abordado na rua, o que nunca lhe aconteceu com em Portugal. “Mas é um risco que vale a pena correr.”

Se pudesse escolher, iria para Florianópolis, mas não se faria de rogado para oportunidades em São Paulo ou Rio de Janeiro. Alguns meses atrás, foi sondado por uma empresa de construção civil em expansão no Brasil. Como fala bem o inglês, atuaria como uma espécie de relações-públicas. Ainda não chegou a ser efetivamente convidado. Mas permanece aberto, mesmo com contrato assinado pelos próximos dois anos em Coimbra. Uma pequena xícara pintada com a bandeira verde, amarela, azul e branca que esconde em pleno local de trabalho, em sua gaveta, já revela um pouquinho do Brasil na sua vida.


Pé no chão

Pé no chão


A advogada Ana Contreiras é apaixonada pelo Brasil. Chegou em 2007 e conta que primeiro foi preciso “namorar” o país e “testar o mercado” para, depois, estabelecer-se. Natural de Faro, região do Algarve, sul de Portugal, Ana morou um ano na Inglaterra e conheceu brasileiros. 
Ao terminar a especialização em Direito Internacional, decidiu mudar-se. “O país recebe extremamente bem as pessoas, o povo é acolhedor. Vim conhecer e quis ficar por cá.” 
A facilidade com o idioma e a proximidade das culturas foram importantes. A oportunidade profissional também. Ana chegou para trabalhar num escritório e hoje é sócia um, prestando assessoria jurídica a luso-brasileiros e empresas em relação à imigração.
Considera o povo e o clima maravilhosos, mas a burocracia, segundo Ana herdada dos patrícios portugueses, é um entrave. Ela calcula que um terço dos clientes portugueses que vêm ao Brasil atendidos por seu escritório acaba retornando, pela dificuldade para se legalizar ou conseguir uma colocação. A crise lá e o bom momento cá deixaram os “portugueses entusiasmados” com o Brasil. 
Mas ela alerta para o fato de que viver no Brasil não é bem como se pensa em Portugal. “As pessoas não têm ideia dos valores de aluguel e alimentação. O custo de vida em São Paulo é mais alto do que em Londres. 
Quem tem um pequeno negócio em Portugal vive melhor do que quem está na mesma situação aqui. Um cliente comparou outro dia que gasta mais em uma hora em São Paulo do que em uma semana em Lisboa”, diz.
Embora haja espaço para profissionais qualificados, a especialista lembra que o mercado brasileiro é disputado. “O sonho de um eldorado não existe”, diz. Aos conterrâneos, aconselha munirem-se de informações antes de efetivar uma mudança. “O Brasil é maravilhoso, mas não é fácil”, afirma.

Colaborou Suzana Vier

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