Internacional| 09/11/2012
Os enigmas do congresso do Partido Comunista chinês
O Congresso do Partido Comunista chinês não deve apresentar muitas surpresas no nível político. O atual vice-presidente Xi Jinping será eleito secretário geral do partido e presidente da nação. O grande mistério é o rumo que tomará a economia ao final da década prodigiosa do atual presidente Hu Jintao. A atual mudança de guarda ocorre em um momento em que a economia global está mergulhada em uma profunda crise estrutural e a própria China esgotou um modelo de crescimento exportador que servir para que o país desse o grande salto nos últimos 30 anos. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo
Londres - O Congresso do Partido Comunista chinês não deve apresentar muitas surpresas no nível político. O atual vice-presidente Xi Jinping será eleito secretário geral do partido e presidente da nação e assumirá a partir de março por dez anos, junto com uma nova cúpula do poderoso comitê permanente do Politburo. O grande mistério, fonte de debates que já custaram mais de uma cabeça, é o rumo que tomará a economia ao final da década prodigiosa do atual presidente Hu Jintao.
Desde a posse de Hu Jintao e seu primeiro-ministro Wen Jiabao em 2002, a China quadruplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) e se converteu na segunda economia do planeta, primeiro exportador e importador global, com a maior quantidade de reservas monetárias do mundo. A dupla Hu Jintao-Wen Jiabao procurou suavizar as arestas mais agudas do modelo chinês como a espetacular desigualdade e a pobreza de centenas de milhões de chineses. Seu êxito foi moderado e a atual mudança de guarda ocorre em um momento em que a economia global está mergulhada em uma profunda crise estrutural e a própria China esgotou um modelo de crescimento exportador que servir para que o país desse o grande salto nos últimos 30 anos.
Apesar do gigantesco crescimento do PIB e dos arranha-céus e trens de alta velocidade que passaram a ligar um país que, durante muito tempo, parecia intransitável, o governo insiste que a China é um país em desenvolvimento e minimiza as previsões de que nesta década, na próxima ou na de 2030, superará os Estados Unidos como potência máxima planetária.
Segundo disse à Carta Maior o diretor de Estudos Contemporâneos Chineses da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, Shujie Jiao, a China enfrenta os dilemas típicos de uma economia em desenvolvimento. “A China tem que dar um salto da exportação baseada em uma mão de obra barata para uma economia dominada pela inovação tecnológica. O Japão e a Coréia do Sul deram esse salto, mas são países muito menores. Devido à gigantesca população chinesa e sua extensão, na China esse processo vai tomar décadas. Hoje em dia convivem na China lugares desenvolvidos como Beijing e Shangai, com outros que estão muito longe desse nível”.
Os desafios do gigante
Este ano a economia crescerá cerca de 7,5%, muito abaixo da média de 10% dos últimos 30 anos e menos que a previsão de 8%, que as autoridades, com uma boa dose de superstição – o 8 é o número da sorte na China -, consideram chave para evitar conflitos sociais. A reação a esse esfriamento da economia (7,5%!) foi típica. O governo lançou um gigantesco plano de investimento estatal no valor de 158 bilhões de dólares. Como resposta de curto prazo, pode servir. No longo prazo, reforça alguns dos problemas do modelo chinês.
Este modelo se baseou, desde a “Gaige Kaifan” (abertura) de Deng Xiao Ping, nos anos 80, no setor exportador e no investimento estatal. Em 1999, as exportações da China constituíam uma terça parte das dos Estados Unidos. Dez anos mais tarde, a China se converteria no primeiro exportador mundial. Ninguém discute o sucesso. O problema são os limites, mais de 44% das exportações são de processamento de partes e conjuntos com pouco valor agregado. O estouro financeiro de 2008 aprofundou outro desequilíbrio. O investimento massivo estatal de 586 bilhões de dólares foi crucial para a recuperação nacional (e mundial), mas gerou uma situação insustentável.
Em 2011, o investimento constituiu cerca de 48% do PIB chinês: o consumo doméstico foi de apenas 34%. Não era uma exceção. Nos dez anos precedentes a participação do consumo interno no crescimento havia registrado uma contínua queda e a desigualdade havia aumentado tanto que se deixou de publicar o coeficiente Gini que mede o fenômeno. É o cruel paradoxo do milagre chinês. Em termos de PIB, a China é a segunda economia mundial. Segundo o índice de Desenvolvimento Humano da ONU encontra-se em 101º lugar, abaixo da maioria dos países latino-americanos (só supera El Salvador, Paraguai, Bolívia, Honduras e Nicarágua). Em comparação com os Estados Unidos, tem uma renda per capita seis vezes menor.
O Partido Comunista é consciente dos problemas, mas é menos monolítico do que parece quanto à solução para eles. No 12º Plano Quinquenal apresentado em março de 2011 se apresentou a transição de uma economia baseada na exportação para outra na qual o consumo interno tenha maior peso. Não há desacordo sobre isso: o problema é como traduzir essa ideia na realidade.
A taxa de poupança chinesa é equivalente a 51% do PIB, mais alta que a taxa de investimento. A população poupa para ter um guarda-chuva em caso de enfermidade e para minorar a deficiente cobertura de aposentadoria para qualquer trabalhador não estatal. O governo lançou planos para uma aposentadoria e cobertura medida universais que deveriam estar em pleno funcionamento entre 2015 e 2020. Mas, segundo Shujie Jiao, são insuficientes tanto do ponto de vista social como do econômico. “O custo médico cresceu de tal maneira que uma cobertura parcial não é suficiente. O mesmo ocorre com a aposentadoria. Enquanto não for dada uma solução a isso, a transição para uma economia baseada mais no consumo doméstico será uma mera consigna. Isso, por sua vez, complica a passagem de economia em desenvolvimento para outra plenamente desenvolvida”, assinalou.
No interior do Partido Comunista, na academia e na elite chinesa reunida em torno da Academia de Ciências Sociais e de alguns seletos centros de estudo, o debate sobre o futuro ficou mais aceso nos últimos anos. Em fevereiro, um documento de mais de 400 páginas publicado pelo Banco Mundial e pelo influente Development Research Centre, um centro de estudos chineses que se reporta diretamente ao Conselho de Estado, apontou a rota de fuga da ala liberal do Partido Comunista. O eixo da proposta era que a China tinha que completar sua transformação em uma “economia de mercado” por meio de uma profunda reforma das empresas do estado que, segundo o documento, “envolvem 50% da economia”.
A alternativa era o chamado modelo Chonqing, vinculado ao ex-secretário-geral do Partido Comunista, Bo Xilai, uma espécie de capitalismo populista, com forte reinvestimento social dos lucros obtidos com o crescimento. A queda em desgraça de Bo Xilai em um escândalo de contornos novelescos projetou uma pesada sombra política sobre esse modelo. “O chamado modelo Chonqing oferecia uma saída para o problema da desigualdade na China. O problema é que ficou associado á figura de Bo Xilai”, assinalou Shujie Jiao.
A enigmática política chinesa
O hermetismo da política chinesa complica a interpretação exata do impacto político de sua queda, Tanto o atual presidente Hu Jintao como seu sucessor Xi Jinping, mostraram no passado certo entusiasmo pelo modelo Chonqing, mas ambos tomaram distância do mesmo em função do polêmico populismo de Bi Xilai. Segundo disse à Carta Maior, François Godement, diretor do Centro Asia de Paris e autor do recentemente publicado “Qui veut la Chine? De Mao au capitalisme” (“O que quer a China? De Mao ao capitalismo”), o debate segue aberto. “Há uma forte polêmica interna sobre os interesses criados na economia, sobre o crescimento, sobre onde a China deveria estar em 2030. A incógnita se estenderá entre este congresso e o de março, quando as novas autoridades assumirão”, assinalou.
Desde as mudanças traumáticas da Revolução Cultural e da reforma pró-capitalista de Deng Xiao Ping – massacre de Tiananmen incluído – a liderança chinesa busca o consenso nas decisões. O fantasma dos dirigentes chineses é o Japão. No final dos anos 80, o Japão era reconhecido como a grande ameaça à hegemonia dos Estados Unidos. Esse “perigo” se diluiu com a explosão da bolha financeira e especulativa japonesa e uma estagnação que dura até os nossos dias.
Segundo Shaun Breslin, autor de “China and the Global Political Economy”, uma coisa está clara: a China seguirá sendo um ator de primeira ordem em nível internacional. “A China não vai repetir o que houve com o Japão. Por mera gravitação populacional, terá uma influência que irá mais além das idas e vindas econômicas. É algo que se vê no impacto que tem não só no mundo desenvolvido como também nas economias da América Latina, África e Ásia”, assinalou à Carta Maior.
Tradução: Katarina Peixoto
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