por Washington Novaes *
O professor Ignacy Sachs é mestre em várias áreas do conhecimento. Nascido na Polônia, emigrado para a França, professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, consultor da ONU e de várias outras instituições, viveu mais de uma década no Brasil, conhece nossos problemas. Quando o autor destas linhas começou a escrever neste espaço, no final de 1997, lembrou que o professor Sachs, numa conferência no Itamaraty, em 1993, já advertira: o mundo industrializado não teria como resolver os graves problemas que já o assolavam naquela época – desemprego, agravado pela automação, porque seria necessário investir US$ 1,4 milhão para gerar um posto de trabalho, ao todo, US$ 7 trilhões, mais que o PIB norte-americano da época; nos países “em desenvolvimento” o custo por emprego seria o dobro; também a especulação financeira, que já tinha um giro diário de US$ 1 trilhão (valor anual 50 vezes maior que todo o comércio mundial), parecia insolúvel – e exigia a criação de uma taxa de 1% sobre seu valor, como propunha James Tobin, para alimentar um fundo que financiasse ações para enfrentar a pobreza no mundo. Para finalizar, o professor Sachs lembrava que o Brasil tinha condições privilegiadas no mundo – território, recursos hídricos, biodiversidade, possibilidade de matriz energética “limpa” e renovável; faltava-lhe uma estratégia adequada.
Passados 20 anos, o professor Sachs deve lembrar-se de seu falecido mestre, o economista polonês Michal Kalecki, precursor de teses também defendidas por Keynes. Segundo Kalecki, uma ideia precisa do tempo de uma nova geração (duas décadas) para se afirmar, ser aceita. E só nestes últimos anos se reconheceu que a crise internacional ainda levará muito tempo para ser afastada (há economistas que falam em até um século). Que a especulação financeira agravada dificulta qualquer solução. E que o Brasil continua sem estratégia para suas condições privilegiadas.
Um mês depois do artigo em que se citava o pensamento do professor Sachs, outro texto do autor destas linhas relatava os resultados da reunião em que se aprovou o Protocolo de Kyoto, para enfrentar as mudanças do clima, com os países industrializados obrigando-se a reduzir suas emissões de poluentes da atmosfera em 5,2% (calculadas sobre os níveis de 1990) – no momento em que os Estados Unidos já as haviam aumentado em 14%. Os Estados Unidos nunca homologaram o protocolo, que levou anos para ter o número mínimo de adesões que o pusesse em vigor: emitem 5,36 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono, abaixo só da China (7,26 bilhões de toneladas). O mais curioso é que também se aprovou em Kyoto proposta brasileira de definir a responsabilidade de cada país na área do clima calculando em quanto suas emissões contribuíram e contribuem para o aumento da temperatura terrestre – e isso superaria a discussão sobre se a responsabilidade maior deveria ser dos países industrializados (que emitem desde o início da Revolução Industrial) ou dos países “em desenvolvimento”, que hoje emitem mais que os industrializados -, gerando um impasse nas discussões da Convenção do Clima. A tese brasileira foi aprovada em Kyoto – e esquecida até hoje.
E por aí vamos, sem nenhum acordo na convenção, que apenas acena para 2015 com um compromisso obrigatório para todos os países de reduzirem suas emissões, e ainda assim para vigorar somente em 2020. Enquanto isso, até o presidente Barack Obama reconhece as ameaças – mas com os Estados Unidos respondendo por vários dos 14 maiores projetos de aumento do uso de petróleo e gás, que podem fazer crescer as emissões mundiais em 20% até 2020 (Business Green, 23/1), quando é preciso baixá-las em 5% ao ano para evitar aumento da temperatura terrestre (que poderá chegar a 4 graus Celsius, segundo o Pnuma). E quando até o Fórum Econômico de Davos, que reúne os maiores empresários do mundo, inclui o clima entre os maiores problemas, ao lado do declínio econômico e da “severa disparidade na renda mundial”. O presidente francês, François Hollande, acha até que “o mundo caminhará para uma catástrofe ambiental, sem práticas saudáveis e energias renováveis” (Yahoo, 15/1). E o chefe da representação norte-americana nas negociações sobre o clima, Todd Stern, pensa que 2015 será a última chance de um acordo na área – mas insiste em que a responsabilidade maior será dos países “em desenvolvimento”, que respondem por 55% das emissões atuais. E aí se renova o conflito que tem paralisado as negociações.
A década de 90 – tema do início deste artigo – marcava também o agravamento das preocupações quanto à questão da água. Mas elas só se acentuaram nos 20 anos seguintes. Agora, a ONU, ao lançar o Ano Internacional da Cooperação pela Água, diz que, se nada for feito para disciplinar o consumo, até 2025 dois terços da população mundial sofrerão com a escassez.
Por aqui, enfatiza a Agência Nacional de Águas que 16 dos 29 dos maiores aglomerados urbanos do País precisam, até 2015, buscar novos mananciais para garantirem o abastecimento. Entre eles estão as cidades de São Paulo e de Campinas e a Baixada Santista. Onde buscar esses novos recursos? A que distância? A que custo? Enquanto isso, não se resolvem os problemas já apontados em 1997 – desperdício nas redes de distribuição (média de 45%), “projetos de transposição”, represamento inadequado (no mundo já eram 38 mil barragens com mais de 15 metros de altura), desmatamento, redução do fluxo dos rios, conflitos entre usuários, não pagamento pelo uso da água. “Água será o centro das maior crise do século 21″.
Pelo andar da carruagem, Kalecki ainda era otimista. Duas décadas não bastam, se nem a iminência de catástrofes nos move. Inclusive no Brasil, já que estamos em sexto lugar entre os países com mais desastres climáticos.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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