Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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segunda-feira, 18 de março de 2013

A bomba química do mercúrio

 

A contaminação por mercúrio foi tema de um encontro neste ano em Genebra, quando 140 países acordaram regras sobre o assunto. O único metal encontrado em estado líquido, considerado cancerígeno, foi protagonista de uma tragédia há mais de 50 anos na Baía de Minamata, no Japão, e hoje está entranhado em rios da Amazônia, por causa dos garimpos. O artigo é de Najar Tubino

Najar Tubino

Em janeiro deste ano, em Genebra, na Suíça, 140 países decidiram definir as regras para conter a contaminação por mercúrio, o único metal encontrado em estado líquido, considerado cancerígeno, e protagonista de uma tragédia há mais de 50 anos na Baía de Minamata, no Japão. Em 1956, uma criança deu entrada no posto de saúde da pequena aldeia de pescadores com paralisia nos pés e nas mãos.
Na região funcionava uma fábrica petroquímica, produtora de fertilizantes e vários tipos de plásticos, que usava o mercúrio como agente catalisador. A tragédia resultou em 1.700 mortes, milhares de doentes, centenas de crianças com deficiências de todo tipo, principalmente, mentais. Ficou conhecida como a “doença de Minamata”, justamente a cidade escolhida para sediar a convenção da ONU, que pretende definir regras internacionais para o uso, a regulamentação e o banimento do mercúrio em alguns setores industriais. O encontro acontecerá em outubro.
Na verdade entre 1953 e 1956, vários espécies de animais apresentavam doenças inexplicáveis. Muitos gatos morreram neste período, a doença chegou a ser chamada “a doença dos gatos dançantes”. Até ser definido que o mercúrio contaminava a população através do consumo de peixes e crustáceos da baía, passaram mais de 10 anos. Somente em 1968, a Chisso, nome da petroquímica, parou de jogar os resíduos contaminados na baía. Calcula-se em 150 toneladas.
A empresa, enquanto pode negava o uso do mercúrio, usava uma estratégia técnica – só usava o mercúrio inorgânico, metálico, que não podia ser absorvido pelas pessoas. Depois os pesquisadores confirmaram que o mercúrio inorgânico transforma-se pelo processo conhecido como metilação, onde bactérias presentes no ambiente transformam o metal em orgânico, um produto chamado metilmercúrio. Ele é 100 vezes mais solúvel na gordura, e tem facilidade para penetrar as células do fígado, entrar na corrente sanguínea e no sistema nervoso.


Aumenta o envenenamento
Pior ainda. O mercúrio tem a capacidade de bioacumular, ou seja, se um peixe pequeno come um plâncton contaminado, e depois será comido por outro peixe carnívoro, assim por diante, até chegar o último predador, um atum – no caso do oceano – ou um tucunaré ou pintado, no caso brasileiro, o mercúrio aumentará seu poder de envenenamento muitas vezes. Além de se multiplicar na cadeia alimentar, ele tem baixa taxa de excreção. O problema mundial da contaminação do mercúrio começa pela atmosfera. Ele é extremamente volátil. Depois se oxida e volta ao solo ou aos sistemas aquáticos (rios, lagoas, lagos, córregos), podendo se manter por mais de 100 anos, até sofrer o processo de metilação.
Nos últimos 25 anos, os garimpos da Amazônia, estimam vários pesquisadores, e está em trabalhos publicados pela Organização do Tratado para Cooperação Amazônica (OTCA), emitiram cerca de 2.500 toneladas de mercúrio. Parte voltou à superfície e pode ser encontrada em algas que estão distantes até 200 km da fonte contaminante. O mercúrio tem a característica de separar metais como ouro, prata e chumbo, do restante do solo, ou de material encontrado nos leitos dos rios. Ele forma uma “massa”, que é chamada de amálgama, depois será queimada e fixará o ouro. Os garimpeiros queimam isso a céu aberto.


1 tonelada para 4 gramas
Existem equipamentos para realizar a queima fechada, sem liberar o vapor na atmosfera. Inclusive o Centro de Tecnologia Mineral, a própria OTCA já fizeram trabalhos de conscientização no rio Tapajós, onde a garimpagem existe há décadas. Assim como no rio Negro e em outros rios da Amazônia. Existem levantamentos do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, principalmente na Amazônia. Hoje em dia não existem estimativas confiáveis.
O que ocorre é o seguinte. Em uma tonelada de sedimento de origem aurífera, a quantidade de ouro em uma tonelada varia de 4 a 20 gramas. Por exemplo, o “Projeto Belo Sun”, de um banco de investimentos canadense – Forbes & Manhattan, com ações na bolsa de Toronto –, pretende explorar quase cinco toneladas de ouro por ano, no rio Xingu. Bem pertinho da hidrelétrica. Nos primeiros 11 anos, segundo estudos da empresa, apresentado na Secretaria de Meio Ambiente do Pará (que liberou o projeto), vai movimentar 37 milhões de toneladas de solo. Dizem eles que não tocarão no leito do rio Xingu. A separação do metal será com cianeto, outro veneno.


Preço do ouro explodiu
Para cada quilo de ouro produzido no garimpo são usados de 1,3kg de mercúrio até mais de 2 kg, dependendo do caso e da fonte de pesquisa. O fato é que o mercúrio está entranhado em vários rios, córregos e igapós da Amazônia, num processo incontrolável, que se têm pouquíssimas informações a respeito. Consegui ler uma meia dúzia de trabalhos de análise de contaminação em peixes, e exame em populações indígenas – nos cabelos, para quantificar o mercúrio. São todos da década passada, o que tem de mais atualizado é de 2005.
Justamente quando a valorização do ouro começou uma espiral ascendente, que turbinou a partir da crise de 2008. Saltou de US$445 a onça troy (31,10 gramas) para chegar aos quase US$1.700 em 2012, com previsão de alcançar US$1.800 em 2013, segundo estimativa do Goldman Sachs. O Brasil produziu 65 toneladas de ouro em 2012, oficialmente, e cinco empresas multinacionais, quatro delas canadenses comandam a operação. Segundo o DNPM, o garimpo é responsável por 12% da produção declarada. O que não quer dizer muita coisa, porque somente nos últimos tempos, o Ibama fez 153 operações em garimpos ilegais. No rio Tapajós, as dragas funcionam 24 horas, sem licença ou controle.


Metade na Ásia
As estimativas de emissões de mercúrio no garimpo atualizadas giram em torno de 130 toneladas. Que na verdade está de acordo com as previsões e cálculos do último relatório do Pnuma, programa de ambiente da ONU, divulgado em janeiro desse ano em Genebra, que cita 727 toneladas de mercúrio emitidas por garimpos artesanais no mundo. Significam 35% das emissões do metal, em comparações com outros segmentos industriais, como a indústria de cloro-álcali (usa o mercúrio como catalisador na produção de soda cáustica), as usinas movidas a carvão, principalmente na Ásia, as indústrias de cimento, siderúrgicas de vários tipos de metal, produtos de iluminação, pilhas, entre outros.
Segundo o relatório do Pnuma: as emissões de mercúrio se mantiveram estáveis nas últimas duas décadas em torno de duas mil toneladas. A Ásia é responsável pela quase metade das emissões. Depois da mineração em pequena escala, as usinas de carvão são responsáveis pela emissão de 475 toneladas equivalente a 24%. Indústrias de cimento e metais, eletrônicos e baterias, produtos dentários (mercúrio usado na amálgama de restaurações de cáries) chegam a utilizar mais de 340 toneladas de mercúrio. Também estão incluídas as indústrias produtoras de plásticos, principalmente de PVC. É preciso entender o seguinte. A dose que a Organização Mundial de Saúde recomenda como possível do organismo humano consumir é de 0,5mg (microgramas) por quilo, limite máximo para consumo de peixes. Se não for carnívoro até 1,0 mg.

 
Decidir os prazos
Imagina que no período colonial, durante a exploração de ouro por portugueses e espanhóis, cerca de 200 mil toneladas de mercúrio foram emitidas. O pesquisador Ênio Candotti, diretor do Museu da Amazônia, diz que o problema na região é “alarmante”. É claro, o consumo de peixe em populações do estado do Amazonas é de 55 quilos/ano. A média brasileira é de 7kg. Em outubro, em Minamata, os representantes dos países vão decidir prazo para a eliminação do mercúrio. No caso da indústria de cloro e soda até 2025. Lâmpadas, pilhas, baterias e cosméticos até 2020. As usinas de carvão não vão definir nada, porque os asiáticos não vão parar suas indústrias por falta de energia. Para a regulamentação em garimpos é que cada país faça a sua regulamentação em três anos, após a aprovação da Convenção da ONU. E depois precisa que 50 países assumam a regulamentação e depois aprovem em seus parlamentos.
Só depois a Convenção vale como lei internacional. No Brasil existe legislação regulamentando o uso de mercúrio no garimpo desde 1989. Só pode usar com licença ambiental. Mas isso não vale para garimpo ilegal. No ano passado o governo do Amazonas liberou o uso do mercúrio nos garimpos, depois voltou atrás. Oficialmente a importação do mercúrio foi de 14 toneladas em 2012. Mas a Associação de Combate aos Poluentes Persistentes (ACPO) tem um dossiê sobre uso de mercúrio em todos os ramos industriais citados. No caso de produtos de iluminação, a entidade diz que a associação do setor importa 300 toneladas de mercúrio. O Brasil produz 100 milhões de lâmpadas fluorescentes, contém 20mg de mercúrio. A maioria é descartada em aterros ou lixões no Brasil.
Não existe levantamento sobre a quantidade de mercúrio em aterros ou lixões. Sabe-se que são descartadas 170 milhões de pilhas por ano. As alcalinas contém mercúrio. Somente em São Paulo, 4% do lixo coletado são formados por metais. Em 2006, a Cetesb calculava em 224 o número de áreas contaminadas com metais pesados, abrangendo comércio, indústria e áreas de resíduos abandonados. Quanto de mercúrio tem abandonado nos lixões da Baixada Santista? Ninguém sabe. O mercúrio é liberado na queima de resíduos industriais e de saúde, também na queima de pastagens e de florestas.


Pagando uma dívida
No último dia 8, um acordo com os representantes dos trabalhadores e familiares contaminados por resíduos químicos de uma antiga fábrica da Shell em Paulínia – produzia pesticidas –, depois passou à Cyanamid, que foi comprada pela Basf. A fábrica funcionou de 1970 até 2002. O Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra as empresas em 2007. Reclamava pela contaminação em 1.068 pessoas, sendo que 62 já morreram. As empresas resolveram fazer um acordo. Vão pagar R$ 200 milhões aos atingidos, sendo R$50 milhões revertidos na construção de uma maternidade para a prefeitura de Paulínia, local de funcionamento da fábrica. Os trabalhadores, ex-funcionários terão direito a atendimento médico e hospitalar vitalício. Na avaliação sobre as condições desta fábrica, um relatório apontava o seguinte:
– O complexo industrial não tinha condições de funcionamento, poluindo as áreas próximas e os lençóis freáticos com vários componentes químicos, boa parte deles, potencialmente cancerígenos.
A reação de empresas, corporações ou segmentos econômicos, além de autoridades públicas, neste tipo de evento é sempre de negar a culpa e a responsabilidade. A Chisso, logo depois que as mortes começaram a ocorrer fez um acordo com os pescadores, chamavam de “pagamentos de consolação”, e tinha uma cláusula: no caso da empresa ser declarada culpada, não estaria sujeita a futuras compensações. Somente 30 anos depois da contaminação do mercúrio, para produção do cloreto de vinila, a Chisso foi condenada por um tribunal japonês por negligência. Na região 29,5% das crianças nasceram com deficiências mentais.

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