Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Bem-vindo ao blog do PT de Mosqueiro, aqui nós discutimos a organização e atuação do Partido dos Trabalhadores nas relações sociopolíticas e econômicas do Brasil e do Pará. Também debatemos temas gerais sobre política, economia, sociedade, cultura, meio ambiente, bem como temas irreverentes que ocorrem no Mundo, no Brasil, no Pará, mas em especial na "Moca". Obrigado por sua visita e volte sempre!

sábado, 2 de março de 2013

Primavera árabe: ‘Há que se passar pela experiência do islamismo no poder’

Internacional| 02/03/2013

 

Nesta entrevista ao ‘Le Monde’, o destacado analista libanês Gilbert Achcar comenta as dificuldades dos governos islâmicos que subiram ao poder no mundo árabe. Além disso, diz que a Turquia não é uma referência para esses países, pois lá o AKP turco se reconciliou com o laicismo, tornando-se a versão islâmica da democracia cristã europeia.

Christophe Ayad – Le Monde*

Personagem desta entrevista, Gilbert Achcar é professor na School of Oriental and African Studies (SOAS) de Londres e um dos mais respeitados analistas do mundo árabe contemporâneo. Nasceu em 1951 e deixou o Líbano em 1983.
Ensinou na Universidade de París VIII e no Centro Marc-Bloch de Berlim. O seu compromisso com as esquerdas e movimento pró-palestina nunca o impediu de dirigir um olhar severo sobre as ditaduras nacionalistas árabes. É autor de “Le peuple veut une exploration radicale du soulèvement arabe”, editora Actes Sud.
Como qualificar o que aconteceu no mundo árabe, desde 2011?
Escolhi a palavra “levante” como título para o meu livro. Mas, na introdução falo de um processo revolucionário a longo prazo. O que estava claro desde o princípio é que estávamos muito no início de uma explosão, e o que se pode prever com certeza é que será de longa duração.
Emmanuel Todd deu uma explicação demográfica do fenômeno. Você inclina-se mais para uma explicação marxista.
A fase durante a qual o mundo árabe se distinguia por uma demografia galopante acabou há vinte anos. Comecei com a análise da situação em vésperas da explosão, em 2010. Constata-se um bloqueio do desenvolvimento que contrasta com o resto do mundo; inclusivamente com a África subsariana. A expressão mais espetacular desse bloqueio é uma taxa de desemprego recorde, particularmente entre os jovens. Além disso, há uma modalidade específica do capitalismo na região: em diferentes níveis, todos os Estados são rentistas. A outra caraterística é um patrimonialismo no qual o clã dominante se apropria do Estado até ao ponto de o transmitir de forma hereditária.
As revoluções árabes traduziram-se em liberalizações políticas, mas não em grandes mudanças sociais. Por quê?
No Egito e na Tunísia, só foi quebrada a ponta do icebergue; quer dizer, os déspotas e o seu grupo próximo. Por outro lado, nesses dois países, o “Estado profundo”, a administração, os aparelhos de segurança, não mudaram. Neste momento, só na revolução Líbia se deu uma mudança radical: hoje, já não há Estado; já não há exército. Nesse país, o descalabro social foi mais profundo, porque o reduzido espaço privado que existia era ocupado pela família Gadafi.
No Ocidente estranhou-se o triunfo dos islamitas nas eleições, quando não foram eles a lançar essas revoluções…
As expectativas do Ocidente, esse romanticismo em volta da “primavera” e o “jasmim”, todo esse vocabulário orientalista, baseavam-se num desconhecimento da situação. Era evidente que os integristas iam apanhar as castanhas do fogo porque, desde finais dos anos 70, impuseram-se como uma força hegemónica no protesto popular. Encheram o vazio deixado pelo fracasso do nacionalismo árabe. Por outro lado, a principal razão pela qual os governos ocidentais apoiavam os despotismos árabes era o receio dos integristas. Crer que essa situação iria ser varrida pelos acontecimentos, era tomar os desejos por realidades. Com o apoio financeiro do Golfo e o apoio televisivo da Al Jazeera, não se podia esperar outra coisa que vitórias eleitorais integristas. O que é chamativo é que essas vitórias não tenham sido esmagadoras. No Eipto, desde as legislativas ao referendo sobre a Constituição, passando pelas presidenciais, estamos a ver a velocidade a que se desmorona o voto integrista. Na Tunísia, Ennahda consegue 40% numas eleições em que participaram metade das pessoas inscritas. E, na Líbia, a Irmandade Mulçumana local foi derrotada.
Surpeendem-lhe as atuais dificuldades dos islamistas no poder?
Em primeiro lugar, há que dizer que o regresso aos despotismos não é algo exequível. Há que passar pela experiência do islamismo no poder. As correntes integristas construíram-se como forças de oposição com um slogan simplista: o islão é a solução. É algo completamente oco, mas funcionava num contexto de miséria e de injustiça no qual se podia vender essa ilusão. Os islamistas são traficantes do ópio do povo. Desde o momento em que estão no poder, isso já não é possível. São incapazes de resolver os problemas das pessoas. Chegaram aos postos de comando em condições que ninguém inveja e não têm nenhum programa econômico.
Pode-se confiar neles no momento de organizar escrutínios que os poderão expulsar do poder?
Esse é o argumento clássico: uma pessoa, um voto, mas uma só vez. Salvo que cheguem ao poder em posição de força. O povo aprendeu a “querer” sair à rua. Jamais um dirigente, na história do Egito, foi tratado com tanto desprezo pelo seu povo como atualmente Morsi…

Pode-se copiar o modelo turco para o mundo árabe?

Não, na Turquia não é a Irmandade Mulçumana que dirige o país, mas uma cisão modernista que se reconciliou com o princípio do laicismo. O AKP turco é a versão islâmica da democracia cristã europeia. A Irmandade Mulçumana não é isso. É uma organização integrista que milita pela Sharia e para quem a palavra laicismo é uma injúria. No terreno econômico, não tem nada a ver: o AKP encarna um capitalismo de pequenos industriais, enquanto a Irmandade Mulçumana participa numa economia rentista, fundada no lucro a curto prazo.
Pode descrever a influência do Qatar nestas revoluções?
É um enigma. Alguns dirigentes colecionam carros ou armas; o Emir do Qatar, por seu lado, joga na política externa. Apresentou-se como comprador da Irmandade Mulçumana da mesma forma que compraria uma equipe de futebol. Um homem que jogou um papel fundamental nesta nova aliança (que faz recordar a que houve entre Mohamed ben Abdel Wahab e a dinastia dos Saud no século XVIII) é o sheik Qaradhawi, chefe espiritual dos Irmandade Mulçumana, instalado desde há muito no Qatar, e que tem grande influência na Al Jazeera. Tudo isso acontece num país em que o Emir não tolera qualquer oposição.
Como explicar a complacência dos Estados Unidos para com a Irmandade Mulçumana?
É algo que começou sob a administração Bush. Para os neoconservadores, o despotismo nacionalista produziu o terrorismo e, portanto, havia que derrubar déspotas como Saddam Hussein para poder estender a democracia. Condoleezza Rice quis retomar a aliança com a Irmandade Mulçumana, que se deu nos anos 50 e 60. Mas a vitória do Hamas nas eleições palestinianas bloqueou o processo. A administração Obama, que herdou uma situação catastrófica no Médio Oriente, mostrou uma atitude indecisa e prudente. Quando tudo estalou, optou por tentar dar a impressão de acompanhar o movimento. A obsessão de Washington na região é a estabilidade e o petróleo. E a tradução desta obsessão, é a procura de aliados que disponham de uma base popular.
Por que é que a intervenção da OTAN foi possível na Líbia e não na Síria?
A Síria encontra-se perante um risco de caos tipo Líbia, mas num contexto regional bastante mais perigoso. Está também o apoio da Rússia e do Irão. Desde o começo, a OTAN disse que não queria intervir. A questão não é “porque é que o Ocidente não intervém na Síria?”, mas “porque é que impede a entrega de armas à rebelião?”. A razão profunda é o medo do movimento popular na Síria. E o resultado é que a situação está a apodrecer. O regime sírio acabará por cair, mas a que preço? A miopia dos governos ocidentais é alucinante: com o pretexto de não reproduzir os erros cometidos no Iraque, quer dizer, o desmantelamento do estado baasista, fazem algo pior. Hoje, os sírios estão persuadidos de que o Ocidente deixa que o seu país se auto-destrua para proteger Israel.
A esquerda anti-imperialista vê um complô americano nestas revoluções…
Se, por oportunismo, as insurreições populares são apoiadas por potências imperialistas, não justifica que apoiemos as ditaduras. A teoria do complô americano é grotesca. Basta ver o aperto de Washington. É claro que, depois de quarenta anos de totalitarismo, o que chega é o caos, mas, como diria Locke, prefiro o caos ao despotismo, porque no caos tenho uma opção.

* Tradução: António José André, do Esquerda.net

Nenhum comentário: