Colunistas| 18/10/2012
DEBATE ABERTO
Carta Maior
A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. O Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.
Paulo KliassA diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. Desnecessário ressaltar que nem todas as estratégias são possíveis, em especial na comparação entre países tão distintos. De qualquer forma, o Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.
Se tomarmos o início dos anos 1980 como base de comparação, a economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10%. Assim, caso seu PIB fosse igual a hipotéticos $100 em 1980, hoje seria equivalente a $2.100. Ou seja, o valor do produto foi multiplicado por 21 ao longo dos 32 anos. Já a economia brasileira conheceu um crescimento médio anual em torno de 3%. Portanto, caso seu PIB fosse também igual aos mesmos hipotéticos $100 lá em 1980, hoje seria equivalente a $257 - um crescimento de apenas 2,5 vezes ao longo do mesmo período. Essa simulação nos informa que a economia chinesa cresceu mais de 8 vezes do que a economia a economia brasileira.
Esse diferencial de taxa de crescimento está na base da explicação das distintas posições relativas ocupadas pelos 2 países na lista de países por ordem de magnitude PIB. Em 1982, por exemplo, o Brasil era a oitava economia e a China aparecia como a décima-primeira do mundo. Hoje, a China é a segunda economia (atrás apenas dos Estados Unidos), enquanto o Brasil ocupa a sexta posição.
Crescimento do PIB e seus componentes
No entanto, para além da simples taxa de crescimento do PIB de um país, é importante que se verifiquem outros atributos. E não vamos aqui nem introduzir a crítica a respeito da metodologia de cálculo do Produto Interno e nem as necessárias ponderações para os elementos de desenvolvimento humano, desigualdade entre setores da sociedade, concentração de renda e sustentabilidade sócio-ambiental do modelo. Trata-se tão somente de analisar quais são os chamados “componentes” do PIB que estão sendo os mais dinâmicos e responsáveis pelo crescimento atingido.
Uma primeira maneira de efetuar tal análise é verificar se o estímulo à atividade econômica está se realizando mais pelo lado do consumo de bens e serviços ou pelo aumento dos níveis de investimento do país. Outro recorte possível é comparar o crescimento geral da economia entre os diferentes segmentos da atividade, segundo mercadorias importadas ou produzidas internamente. Também é interessante verificar o que ocorre de acordo com a tradicional divisão de setores: i) primário (agricultura e recursos minerais); ii) secundário (indústria); e iii) terciário (comércio e serviços).
No caso específico desse artigo, a intenção é verificar as diferenças entre a opção de puxar o crescimento pelo lado do estímulo ao consumo, em sua comparação com o incentivo às atividades vinculadas ao aumento do investimento. E aqui também sob essa perspectiva, nota-se uma grande diferença entre os modelos adotados pelo Brasil e pela China. Ao longo dos últimos anos, a China tem apresentado uma elevada participação do investimento no total do PIB. Assim, a chamada “taxa de investimento” do gigante asiático tem apresentado a impressionante média de 48%. O caso brasileiro é bastante distinto: nossa participação do total de investimento no Produto revela uma média histórica recente de apenas 18%.
Os limites do modelo lastreado no consumismo
Ora, essa discrepância entre as duas medidas é a expressão de duas estratégias diferentes para orientar o crescimento e o desenvolvimento econômicos. A sustentação de algum modelo de crescimento no tempo exige algumas pré-condições básicas. E vejam que nem se trata de algo mais sofisticado, do tipo incluir um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. Não, imagine apenas um padrão de crescimento que se mantenha por um determinado período, em um arranjo econômico minimamente equilibrado. Desse ponto de vista, a opção por um modelo baseado essencialmente no consumo não se apresenta como estratégia viável ou coerente a longo prazo. Isso porque essa alternativa (a prioridade ao consumo) implica a dependência de manter e elevar a participação dos produtos importados no total dos bens consumidos. Essa tendência se deve ao fato de que o conjunto de bens de capital e infra-estrutura existente em um país sofre permanente processo de depreciação e necessita contínua substituição, acompanhada de um aumento da capacidade instalada em novos patamares tecnológicos.
Caso não se mantenha um ritmo adequado (que varia segundo a formação social e o momento histórico considerados) dos investimentos, o desequilíbrio em favor de um viés consumista termina por comprometer o modelo logo ali na frente. De que adianta estimular o consumo frenético de automóveis se a indústria automobilística não investe em parques mais modernos, com tecnologia de ponta? Ou se o país não oferece uma infra-estrutura urbana ou de rodovias compatível? Ou se o conjunto do sistema educacional e de ciência & tecnologia não pesquisa alternativas de modelos de transporte que representem a substituição dessa opção que já se apresenta como inviável nos dias de hoje?
Saindo de um foco setorial e pensando no conjunto da economia, a incapacidade de oferecer investimentos em infra-estrutura implica o risco de o país bater nos chamados “gargalos” de transportes, comunicações, energia. Isso sem mencionar os problemas derivados das deficiências nas áreas sociais, como saúde, educação, previdência social e ciência e tecnologia. O estímulo focado no exagero do consumismo concentra os recursos financeiros, monetários e creditícios apenas na ponta do modelo: a compra final de bens e serviços. Com isso, as necessidades de elevar a capacidade de investimento para trás (na escala produtiva) e para frente (no tempo) ficam comprometidas. Dessa forma, em algum momento o conjunto dos atores econômicos sentirá a carência de infra-estrutura, com problemas de risco de “apagão”, aumento de custos por atraso tecnológico e perda de competitividade por eficiência nas redes de suporte à atividade produtiva.
Dificuldades em sair do consumismo e avançar no investimento
Ora, mas então, se é reconhecida essa necessidade de harmonizar o investimento com o consumo, por que os países não conseguem lograr uma situação de equilíbrio e segurança nesse quesito? Justamente pelo fato de que a economia não é uma ciência exata e que seus elementos fundadores são determinados na luta política e na disputa de interesses dos agentes econômicos. Os analistas liberais mais fundamentalistas ainda acreditam que tudo isso deve ser deixado à livre acomodação das forças de oferta e demanda – a velha crença nos super-poderes do mercado. Já os liberais mais pragmáticos, em especial nos momentos de crise, acreditam ser mais inteligente chamar o Estado a dar sua contribuição como agente regulador e regulamentador nesse quesito, de maneira a assegurar que a infra-estrutura necessária seja efetivamente viabilizada. Mas de toda a maneira, o fato é que os recursos de investimento precisam aparecer, eles devem estar disponíveis para se concretizar na ampliação da capacidade produtiva e econômica do país.
No caso brasileiro, vira e mexe surge a polêmica a respeito da nossa suposta baixa capacidade de poupança. E essa constatação vem associada à idéia de que haveria uma precedência cronológica da poupança em relação ao investimento. O ponto é que para uma parcela importante dos economistas, não faz sentido raciocinar para o fenômeno macro-econômico da maneira como pensamos para o comportamento dos indivíduos ou das famílias. O senso comum e os comentaristas das colunas “suas finanças” dos grandes meios de comunicação insistem na tecla de que é necessário poupar antes para que esse recurso se transforme em investimento. Mas para a escala de um país, as variáveis operam segundo outra lógica e obedecem a outra dinâmica. O importante é tomar a decisão de investir, pois a partir desse momento a complexidade de relações entre a economia e a sociedade termina por criar as condições para drenar recursos para o investimento agregado.
A dificuldade tupiniquim nesse quesito sempre esteve mais associada ao estímulo ao financismo e à carência crônica de necessidades básicas por parte da maioria da população. Dessa forma, os recursos disponíveis para aumentar o nível de investimento eram drenados para a atividade parasita do circuito financeiro, em busca da remuneração elevada no curto prazo. E esse modelo era assegurado pelo próprio governo, por meio da política monetária de juros oficiais estratosféricos. Na outra ponta, a profunda desigualdade de renda e o nível de sobrevivência a que historicamente esteve submetida a grande maioria de nosso povo não contribuíam para uma mentalidade poupadora no plano individual ou familiar. Finalmente, as décadas de convivência com elevadas taxas de inflação e as experiências negativas com os planos de estabilização econômica anteriores ao Plano Real colaboraram também para a baixa credibilidade dos mecanismos de poupança de longo prazo.
A importância de se elevar a taxa de investimento
A intenção não é que se adote o modelo chinês como referência. Inclusive porque ele apresenta um conjunto de problemas, a exemplo da manutenção de uma taxa de investimento em relação ao PIB muito elevada, talvez até mesmo em excesso. Sim, pois por mais contraditório que possa parecer, essa condição não é a melhor para um país no longo prazo. Para a China, num primeiro momento, foi importante manter taxas de investimento do PIB em torno de 50%. Foi o instrumento encontrado para conseguir recuperar o “atraso” em relação às grandes potências e dar o grande salto à frente – transitar do modelo baseado na agricultura e avançar rumo à industrialização. Porém, a continuidade desse tipo de repartição entre investimento e consumo pode criar um fenômeno associado à baixa utilização da capacidade instalada. Naquele país, como investimento em infra-estrutura ainda é capitaneado pelo Estado, esse problema não adquire as repercussões de um modelo em que os parques de transportes, comunicações e energia sejam operados ou de propriedade do setor privado. No caso, uma eventual baixa na taxa de retorno esperado, pode significar redução na oferta de infra-estrutura. E isso sinaliza uma porta de entrada para uma conjuntura de recessão.
Assim, toda a ciência e a arte estão em encontrar pontos mais adequados para a taxa de investimento em relação ao PIB. No nosso caso, com certeza algo bem acima da média histórica dos 18%, sem precisar chegar no exagero chinês dos 50%. Mas de qualquer, a contribuição do Estado é fundamental para se alcançar esse elevação tão necessária, por meio das políticas públicas e do estímulo às atividades umbilicalmente ligadas ao investimento. Esperar tão somente pelo “espírito animal” do empresariado não tem se revelado como estratégia eficiente para alcançar essa meta.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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