Por: Thalita Pires, Rede Brasil Atual
Publicado em 04/07/2012
O trânsito interfere no comportamento coletivo dos cidadãos, mesmo daqueles que não usam o carro (Foto: sxc.hu)
Qualquer pessoa que more em uma metrópole brasileira é capaz de citar pelo menos um malefício da cultura de uso intensivo de automóveis particulares. Vidas perdidas em acidentes, poluição do ar e sonora, tempo perdido, stress e piora geral na qualidade de vida estão entre eles. Mas os efeitos negativos das longas filas de carros afetam a sociedade como um todo de maneiras que nem sempre nos damos conta. Vou compartilhar aqui a experiência de minha amiga Marcela Spinosa em um ônibus de São Paulo como exemplo de que o comportamento coletivo também é afetado pela cultura automobilística.
“Peguei o ônibus da linha Jardim Miriam/Itaim Bibi na avenida Vereador João de Lucca, por volta de meio dia e meia de uma quinta-feira. O ônibus estava cheio e eu me sentei nas poltronas localizadas no meio do veículo. Mais ou menos na altura da avenida Morumbi, as pessoas começaram a gritar: “motorista, tem um homem passando mal no ônibus”. Olhei para trás e vi o rapaz, sentado na ultima fileira, tremendo inteiro. Falei para o motorista parar no ponto de ônibus porque o homem estava passando mal. E assim o motorista fez. Quando a porta abriu, todo mundo desceu. O motorista e o cobrador não demonstraram nenhuma sensibilidade ou preocupação para com o passageiro. A essa altura, o ônibus estava vazio. Ficamos eu e mais três pessoas cuidando do cara. Liguei para os bombeiros enquanto as outras pessoas o seguravam, que ainda tremia. Em seguida ele melhorou. O motorista me perguntou a hora que a ocorrência havia acontecido e a registrou em um caderninho. Disse que o ônibus ficaria parado ali e que era para pegar outro coletivo”.
Marcela compartilhou esse fato em seu perfil do Facebook, e fez um comentário que chamou minha atenção. “Acidentes como este me mostraram o quanto as pessoas relutam em perder minutos de seu dia para ajudar o próximo. Os carros refletem o egoísmo”. Conversei com ela sobre o assunto alguns dias depois. Embora o fato tenha acontecido dentro de um ônibus, Marcela acredita que o trânsito é um dos responsáveis pela falta de solidariedade de grande parte dos passageiros com a pessoa que está ao seu lado. “Acho que o trânsito reflete o egoismo das pessoas nas ruas, como exemplo, quando não deixam uma pessoa entrar na frente, aceleram quando percebem que um motorista acionou a seta, ou quando não deixam uma pessoa que vem uma transversal entrar, essas coisas. Isso, na minha opinião, reflete a falta de cidadania das pessoas, que acham que deixar um carro entrar na frente delas vai fazer com que elas cheguem mais rápido a seus destino”.
Para saber se essa é uma impressão pessoal ou um fenômeno coletivo, conversei com o sociólogo Craig Schuetze, pesquisador visitante do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo. Ele estuda o impacto do trânsito de São Paulo pelo viés antropológico.
Para Schuetze, é fato que o trânsito afeta o comportamento das pessoas de diversas maneiras. O tráfego seria o resultado do exacerbamento da importância do tempo individual. Cada pessoa fica tão centrada na sua própria agenda que o outro deixa de existir. Craig dá outro exemplo prático para demonstrar a insensibilidade ao sofrimento do outro. “No dia da greve do metrô, fui às ruas e conversei com um motoboy. Ele me disse que tinha visto um colega atropelado e morto, mas que nem lembrava direito do fato”, conta. Na sua opinião, isso mostra não apenas falta de solideriedade, mas uma virtualização da violência. “Essa violência é percebida como virtual e não como real. As pessoas acreditam que aquilo não pode acontecer com elas”, explica.
Uma das causas desse comportamento é a crença de que o desenvolvimento deve ser alcançado a qualquer custo, comum em economias emergentes. “São as dores do crescimento do país. Há um sacrifício que temos que aguentar para chegarmos lá, como se os fins justificassem os meios”, diz o pesquisador. “No caminho, a prática dos direitos humanos fica subjugada aos valores de mercado.”
Existem muitas estatísticas que mostram que os prejuízos com o trânsito de São Paulo – e certamente em muitas outras capitais – são enormes em termos de economia, saúde e bem-estar. Mas enquanto nosso inconsciente coletivo continuar refém da lógica desenvolvimentista, qualquer comportamento estará justificado em nome do crescimento.
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