Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Bem-vindo ao blog do PT de Mosqueiro, aqui nós discutimos a organização e atuação do Partido dos Trabalhadores nas relações sociopolíticas e econômicas do Brasil e do Pará. Também debatemos temas gerais sobre política, economia, sociedade, cultura, meio ambiente, bem como temas irreverentes que ocorrem no Mundo, no Brasil, no Pará, mas em especial na "Moca". Obrigado por sua visita e volte sempre!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O mito do veneno que salva

Sociedade
06/2/2013

por Ricardo Abramovay*

so1 300x241 O mito do veneno que salva

É difícil encontrar problema contemporâneo mais importante que o resultante dos 14 maiores projetos de exploração de carvão, petróleo e gás pelo mundo afora. Por um lado, cada um deles representa uma bênção a seus países de origem, oferecendo horizonte palpável de solução para a dependência energética (caso dos EUA), para a pobreza (caso da China) ou para a educação (caso do Brasil).

Mas, quando se somam essas iniciativas, a bênção se converte em maldição: estudo recente divulgado pelo Greenpeace mostra que a queima adicional de combustíveis fósseis decorrente apenas dessas 14 iniciativas vai lançar na atmosfera, em 2020, o correspondente a tudo o que os EUA emitem hoje em gases de efeito estufa.

Como a exploração de combustíveis fósseis exige pesada estrutura de instalação e de distribuição (minas, poços, oleodutos, gasodutos, postos de gasolina), isso significa que esses 14 projetos colocam a humanidade num “ponto de não retorno” (título do trabalho do Greenpeace) com relação às mudanças climáticas.

A dimensão física do sistema de energia baseado em fósseis já é gigantesca. Ela se amplia a cada investimento adicional em carvão, petróleo e gás. Entre 2000 e 2008, por exemplo, a China investiu nada menos de US$ 300 bilhões em novas minas de carvão. A amortização desses investimentos só vai acontecer entre 2030 e 2040. Essas instalações continuarão funcionando até 2060, segundo um importante relatório das Nações Unidas. Investimentos em fósseis têm um impacto sobre a vida social que se prolonga por décadas.

O resultado é aterrador: seis graus de elevação da temperatura global média até o final do século. É bom lembrar a convergência crescente entre os governos, as organizações multilaterais, a sociedade civil, o número crescente de empresas e a esmagadora maioria da comunidade científica de que o aquecimento derivado da emissão de gases de efeito estufa não deveria ir além de dois graus. O rumo atual é três vezes superior ao limite mencionado quase exaustivamente em conferências e documentos internacionais.

É verdade que novas tecnologias permitem obter combustíveis fósseis cuja exploração até recentemente era inviável: é o caso do gás de xisto e do pré-sal. Não é menos certo que essa exploração pode trazer benefícios econômicos, sociais e até geopolíticos fundamentais. É possível até que as ameaças ambientais desses projetos não sejam tão grandes quanto o habitualmente alardeado. Na maior parte dos casos, eles são acompanhados de promessas relativas à captação e à armazenagem de carbono ou à garantia de que os conhecimentos atuais impedirão que se repitam tragédias como a que atingiu o Golfo do México em 2010.

Nada disso, entretanto, elimina o mais importante e que, sobretudo no caso pré-sal brasileiro, não tem ocupado lugar devido no debate público: aumentar nessa proporção o uso de combustíveis fósseis coloca o conjunto da sociedade numa rota cujos perigos são apenas prenunciados pelo furacão Sandy, pelos incêndios florestais na Rússia, em 2010, ou pelo ciclone que chegou a Santa Catarina poucos anos atrás.

No mundo todo, crescem os investimentos em energias renováveis e em tecnologias explicitamente voltadas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Alguns dias após a divulgação do relatório do Greenpeace, a Bloomberg e o Business Council for Sustainable Energy ] publicaram um estudo que mostra o declínio das fontes tradicionais de energia nos Estados Unidos e uma elevação muito expressiva da participação do gás (que é fóssil, mas não tão sujo quanto o carvão e o petróleo) e de renováveis na matriz energética do país.

O trabalho enfatiza também os ganhos de eficiência no uso da energia por parte da indústria e dos domicílios. Um avanço certamente fundamental que justifica a afirmação: “Uma revolução está transformando a maneira como os americanos produzem, consomem e pensam sobre energia”. Esse avanço, entretanto, corre o risco de ser ofuscado pelo estrago advindo da oferta adicional de combustíveis fósseis em diferentes países, mencionados e quantificados no trabalho do Greenpeace.

Em vez simplesmente de surfar na onda do atraso representada por esses investimentos, o Brasil teria muito mais a ganhar caso consolidasse sua matriz energética menos dependente de fósseis que o resto do mundo, mas, ao mesmo tempo, se liderasse uma discussão global cujo ponto de partida só pode ser a pergunta: qual a quantidade de gases de efeito estufa que a economia mundial ainda pode emitir para que haja chance de não ultrapassar o limite de dois graus?

Em 2012, a Agência Internacional de Energia respondeu a essa pergunta com toda a clareza em seu World Energy Outlook] : se a civilização tiver prioridade diante da renda dos combustíveis fósseis, não mais que 30% das reservas hoje conhecidas poderão ser exploradas.

O problema é que a viabilidade econômica desaas explorações é incompatível com esse limite. Além disso, como a decisão referente a esses investimentos não é tomada levando em conta seus efeitos globais, cada país, cada empresa dá as costas aos evidentes impactos destrutivos desses projetos e age como se a oferta de combustíveis fósseis e o aquecimento global fossem dois temas independentes um do outro.

Não é sensato que o caminho para a redenção social, para a independência energética ou para qualquer outro objetivo relevante tenha como contrapartida a tão grande ampliação dos riscos a que a miopia dos governos e a ambição das empresas petrolíferas estão expondo a espécie humana.

* Ricardo Abramovay é professor titular da FEA e do IRI-USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, e autor deMuito Além da Economia Verde, lançado na Rio+20 pela Editora Planeta Sustentável.

** Publicado originalmente no site Prêmio Empreendedor Social/Folha de S.Paulo.

(Prêmio Empreendedor Social/Folha de S.Paulo)

Nenhum comentário: