Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

Bem-vindo ao blog do PT de Mosqueiro, aqui nós discutimos a organização e atuação do Partido dos Trabalhadores nas relações sociopolíticas e econômicas do Brasil e do Pará. Também debatemos temas gerais sobre política, economia, sociedade, cultura, meio ambiente, bem como temas irreverentes que ocorrem no Mundo, no Brasil, no Pará, mas em especial na "Moca". Obrigado por sua visita e volte sempre!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Carimbó resiste na Amazônia e quer ser reconhecido como patrimônio imaterial

Arte & Cultura| 03/02/2013 |

 

Rodas de Carimbó contam uma parte da existência - e da resistência - cultural no Distrito de Icoaraci, no Pará, onde está localizado o Espaço Cultural Coisas de Negro. O Tambor de Crioula, do Maranhão, já foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como patrimônio imaterial do Brasil. Agora, um coletivo realiza uma campanha para a concessão da mesma chancela ao carimbó.

Lilian Campelo e Rogério Almeida*

A arte milenar da cerâmica marajoara produzida no bairro do Paracuri proporcionou uma visibilidade além rio-mar ao distrito de Icoaraci. Em tupi-guarani o nome significa "Mãe de todas as águas". Assim como outras regiões da cidade de Belém, a baía do Guajará circunda o lugar, ainda repleto de furos, igarapés e rios. O rio Paracuri é um deles, assim como o Maguari, o igarapé Livramento, e tantos outros, de onde é retirada a argila - cada vez mais rara - para a produção da cerâmica.
É tempo de chuva na Amazônia. A ausência de saneamento básico impede o acesso dos consumidores do artesanato até o centro produtor. Limite que é sanado com quiosques de venda na orla central do bairro. Além da arte marajoara e tapajônica, músicos de samba, rock, pop e carimbó ajudam a compor a cena cultural do lugar.
Vinte quilômetros separam o centro da capital do Pará do lugar. A esburacada e mal sinalizada rodovia Augusto Montenegro é a principal via que leva ao bucólico logradouro apelidado de “Vila Sorriso”. Edificações ligadas à Igreja Católica marcam o espaço da orla, repleta de restaurantes e vendedores de coco.
Já a abandonada Biblioteca Municipal Avertano Rocha é um resquício dos gloriosos anos do ciclo da borracha. O chalé integra o portfólio da arquitetura do século XIX do município.
O hiato social tem incrementado a violência ao redor. Em novembro de 2011, a chacina de seis adolescentes sem passagem pela polícia comoveu o distrito. Alguns suspeitos estão presos. Mas o caso continua uma incógnita.
O cais que recebe a produção de hortifrutigranjeiros e o pescado é o mesmo de onde é possível embarcar pra o arquipélago do Marajó, e ilhas mais próximas, como a de Cotijuba, que durante muito tempo abrigou o presídio do Estado. Uma viagem de menos de sessenta minutos de barco separa o distrito da ilha. A energia recentemente implantada trouxe mais conforto às pousadas, e incentivou a especulação imobiliária. No mesmo cais no mês de outubro ocorre a romaria fluvial que celebra Nossa Senhora de Nazaré.
Após vários processos históricos, desde os tempos das sesmarias, o distrito de Icoaraci foi instituído juridicamente na década de 1940. Vez em quando alguns setores do comércio e da política local ensaiam um movimento separatista de Belém. Enquanto isso não ocorre, na avenida Dr. Lopo de Castro, nº 1081, a cada domingo, há 13 anos, o Espaço Cultural Coisas de Negro celebra a cultura de matriz afroindígena com as rodas de carimbó.
A percussão é a coluna dorsal da manifestação de matriz afroindígena. Assim como o tambor de crioula do Maranhão, três tambores (curimbó) compõem o nipe percussivo ajudado por maracás. Cabe ao curimbó maior a marcação, enquanto os dois menores solam. Ao contrário da manifestação maranhense, no carimbó existem instrumentos de harmonia, como flauta transversal e banjo. Os grupos mais pop´s agrupam violão ou guitarra e baixo.
Homens e mulheres dançam em movimento circular. Cabe ao homem o galanteio. Na manifestação maranhense cabe às mulheres a dança, e aos homens a música e o canto. As vestes são similares. As mulheres sempre dançam de saia. A camisa de chitão florido é comum na indumentária dos homens nas duas manifestações.
A matriz rural é o elemento comum das atrações culturais nos dois estados. A região do Marajó e do Salgado (município de Marapanim em particular) são as referências de grupos de carimbó no Pará. Já no Maranhão a manifestação é encontrada nos bairros da periferia de São Luís, e em inúmeras áreas em várias regiões do estado marcadas por remanescentes de quilombo. Na periferia de Belém, no bairro da Terra Firme, migrantes maranhenses à Rua dos Pretos mobilizam-se em torno do tambor de crioula.
Espaço Cultural Coisas de Negro – espaço de (re) existência
Os apêndices da história deixam claro o preconceito e a criminalização das manifestações culturais de matriz africana. Códigos de posturas de algumas cidades proibiam as rodas de capoeira e samba. Era coisa de malandro. Para (re) existir o samba ganhou o abrigo em terreiros de umbanda e candomblé, como no caso da Tia Ciata e apelou para o sincretismo. A visão obtusa de antes tem sido oxigenada em dias atuais por alguns segmentos neopentecostais.
Assim como os ancestrais, homens e mulheres negras ou não celebram a cada noite de domingo o carimbó. A casa do Coisas de Negro é modesta. O sobrado recentemente passou por uma reforma. A ornamentação faz referência às culturas africana e amazônica.
A seleção em prêmio do edital de Culturas Populares Mestre Humberto de Maracanã (cantos de bumba-meu-boi do Maranhão), promovido pelo Ministério da Cultura realizado em 2008 possibilitou a reforma. O projeto foi contemplado na categoria Grupos Tradicionais Informais. A iniciativa contou com a ajuda da jornalista e produtora cultural Luciane Bessa, lembra o proprietário do espaço, Raimundo Piedade da Silva, mais conhecido como Nego Ray. Um senhor de média idade de estatura mediana.
O Coisas de Negro – entre o rústico e o haiteck. O espaço cultural apresenta um ambiente rústico. Peças de cerâmica, raízes de plantas secas, sementes e fotografias dos grupos de carimbó impressas em lona de caminhão adornam as paredes com textura de argila.
Nos rituais de domingo, na parede acima do palco filmes sobre cultura popular e curtas-metragens produzidos no Pará são exibidos. O documentário Salve Verequete, falecido mestre do carimbó, não deixa de ser exibido. O cineasta Luiz Arnaldo assina o registro sobre a trajetória de um dos protagonistas da arte popular do Estado. O negro esguio morreu doente e pobre. Somente no fim da vida contou com uma ajuda pecuniária da prefeitura de Belém. Para sobreviver vendia churrasquinho. A sina de Verequete é comum entre os artífices do gênero. A mesma trilha teve o mestre Bento.
Internet, carimbó e cidadania
Talvez nenhum mestre tenha imaginado que as rodas de carimbó ganhariam o mundo. Hoje elas são transmitidas ao vivo via internet. O Carimbó.Net também contou com a participação de Luciane Bessa.O empreendimento que começou no espaço cultural, hoje é projeto de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), através do Edital Ações Colaborativas para a Cidadania Digital, lançado em 2009.
A iniciativa proporcionou ao Espaço Coisas de Negro a oportunidade de ministrar oficinas de confecção e percussão de instrumentos para jovens, além de trabalhar com software livre e gravação de CD. Os frutos desse projeto podem ser acessados nas redes sociais.
Nego Ray relembra a experiência que o projeto possibilitou ao visitar uma comunidade quilombola Laranjituba, localizada no município de Moju, norte do Estado. “Tivemos a felicidade de gravar a voz de um cidadão de 87 anos de idade, Mestre Jorge que canta carimbó. Nós levamos todo nosso equipamento de som. Conseguimos captar o som dele e reproduzimos na hora o CD. Já tínhamos feito a capa e entregamos para ele,” conta emocionado.
Ray sublinha que o Mestre Jorge ao ouvir a sua música sendo tocada pela primeira vez parecia criança dançando. A equipe ficou maravilhada com aquilo. Acompanhando o mestre vendo todo o processo e se ouvindo, foi muito bacana, arremata.
Coisas de Negro – os primeiros passos
No início o espaço cultural era um bar. O proprietário explica que o local existe há 21 anos. E que desde o início das rodas de carimbó passou a ser denominado de espaço cultural. O repertório musical era composto de voz e violão ao vivo sempre as sextas-feiras. E a execução de vinis.
Ray relata que as rodas de carimbó começaram com a apresentação do grupo ‘Curuperê’. Ele recorda que um grupo de pessoas ligadas à música o procurou. Eles tinham interesse em apresentar o trabalho que era voltado ao carimbó. Fui convidado a participar. E assim começamos a trabalhar em cima do repertório autoral.
A partir daí outros grupos parafolclórico começaram a se apresentar no espaço. A iniciativa trouxe resultados. Outros locais também começaram a promover as rodas de carimbó. Até então a divulgação do carimbó era restrita a períodos festivos. “Antes as apresentações do carimbó ficavam confinadas às festividades da quadra junina. Com essa nossa atitude de fazer as rodas aos domingos, as pessoas começaram a aceitar mais o ritmo regional. Hoje a dança aparece até no horário nobre da televisão, mas foi necessário que alguém, não só a gente, mas as pessoas que nunca deixaram de acreditar que um dia essa música iria chegar onde está começando a chegar. Bem como a teimosia dos grandes mestres que não estão mais aqui” afirma Nego Ray.
Hibridismo cultural é Coisa de Negro
“Não há conflito entre o regional e o ‘de fora’, pelo contrário, há um encontro que proporciona uma nova expressão cultural. O hibridismo, longe de ser visto como uma deturpação da cultura popular é considerado enriquecedor das práticas culturais por esse segmento que conheceu o carimbó por meio do Mundé”.
Esta frase, estampada em lona, ornamenta uma das paredes do Espaço Coisas de Negro. Quem entra rapidamente percebe que a energia do local congrega diversos campos culturais. Nego Ray explica, “Uma coisa que a gente percebe aqui é a mudança de comportamento das pessoas. As que são voltadas para outras tendências musicais, quando adentram no “Coisas de Negro” começam a se integrar. As meninas do rock que já vêm aqui e vestem as suas saias.”.
O jornalista Ismael Machado sugeriu ao Nego Ray o projeto Coisas do Rock. Na época estiveram no palco as bandas, Arcano 19, Cravo Carbono e Norman Bates. “Retornamos agora, tem um ou dois anos com apresentações de grupos de rock. No dia 2 de fevereiro teremos The Smiths Cover e Los Hermanos Cover. Além dessa apresentação, antes teremos no dia primeiro de fevereiro o Buscapé Blues, com uma apresentação de música autoral” explica Ray.
O espaço cultural sempre esteve aberto a outros ritmos e estilos, mas não é só o local que congrega outras influências musicais. O grupo de carimbó Mundé Qultural é prova dessa efervescência contemporânea. Utilizando instrumentos como a guitarra, o baixo e percuteria, este último criado pelo próprio grupo é um conjunto de instrumentos como: prato, banjo, alfaia, pandeiro e caixa de bateria.
O grupo mescla experimentações sonoras envolvendo o popular e o contemporâneo. Nego Ray fala que eles deram uma nova roupagem à música ‘Moleque do Paracuri’ da banda Novos Camaleões, “Fizemos um arranjo bem legal, uma pitada regional com uma linguagem rock ‘n roll”. A mesma linha segue o grupo Lauvaite Penoso. Algo que lembra a turma que envenenou a cena cultural do Recife na década de 1990, isto para não falar de Raul Seixas, Mutantes e a Tropicália.
Hoje, o Espaço Coisas de Negro abriga as mais diversas tendências e experimentações sonoras. Para Nego Ray a procura das pessoas pelo espaço denota uma carência de locais para a música autoral. “O que eu vejo hoje no ‘Coisas de Negro’ era o que um tempo atrás acontecia no teatro Waldemar Henrique. O teatro abria as portas para que as pessoas pudessem fazer as suas experiências musicais”.
Trio Chamote – direto da costela do Coisas de Negro
O ensaio começou umas 7hs da noite. A batida leve na baqueta e o contar do “1, 2, 3, e...” marca mais um recomeço da música que está sendo ensaiada. O local é no Espaço Cultura Coisas de Negro e o celular grava o áudio do ensaio. O ritmo é o lundu. Também de matriz africana. Ao contrário do carimbó a sonoridade é marcada pela suavidade e a cadência em pausas leves e fortes marcadas pelo batuque. No caso é tocado no bumbo da bateria. A dança é um ritual de sedução.
O ambiente ‘Coisas de Negro’ inspira musicalidade e o espaço também contribui para o surgimento de novas parcerias, a partir de encontros e vivências com pessoas e grupos musicais plurais, como a diversidade do Trio Chamote.
Composto por Silvio Barbosa (sopro), Luizinho Lins (banjo) e Charles Matos (bateria), eles utilizam o espaço para ensaiar as cinco músicas já criadas. O trio irá se apresentar oficialmente no Teatro Waldemar Henrique na abertura do show do guitarrista Pio Lobato. Data a confirmar.
Chamote e Coisas de Negro
O Trio ainda é novo, os músicos é que são velhos conhecidos do ambiente, desde os tempos do nascimento das rodas de carimbó. Todos moram em Icoaraci. O nome do Trio vem de um dos processos de produção artesanal da cerâmica. Chamote é o nome dado aos restos de cacos de peças antigas da cerâmica marajoara, que são aproveitadas e misturadas ao barro natural para a criação de novas peças.
É desta realidade cotidiana e de vivências que os músicos criaram o estilo do trio. Charles, autodidata com 22 anos entre baquetas e pratos explica o som que produzem: “O Chamote surgiu de um sonho antigo de trabalhar a música regional folclórica inserindo uma roupagem contemporânea, com efeitos sonoros e linguagem jazzística, que consiste na improvisação musical”.
Luizinho explica que o Espaço Coisas de Negro também ajudou a construir o Chamote “Aqui a gente busca conceito, tem as rodas de carimbó, todo esse ambiente ajuda a compor”.
A construção do conceito musical do Chamote partiu de algumas coincidências. Todos os integrantes possuem pesquisas distintas sobre os instrumentos que tocam e ritmos amazônicos, contempladas com bolsa de estudo no Instituto de Artes do Pará (IAP). O horizonte de trabalhar com ritmos regionais mesclando uma pegada mais contemporânea foi o que os uniu.
O espaço Coisas de Negro foi determinante para o encontro e a realização do projeto, como afirma Silvio, “Talvez se não fosse o ‘Coisas de Negro’ o Chamote não iria se formar. Os ensaios no espaço, a convivência nas rodas de carimbó e a troca de impressões com o Ray ajudaram a cimentar a ideia” pondera o músico.
Luizinho confirma: “Se eu estivesse em outro espaço, talvez eu estaria tocando com outro grupo, e só tocando, não estaria fazendo experimentação sonora”.
Para o artista, a relação que se dá no espaço é de solidariedade, “Quando o Ray cede o espaço para gente ensaiar não é necessário uma assinatura em papel, e toda essa formalidade, as relações são baseadas no aperto de mão”.
Cultura popular como patrimônio imaterial do Brasil
O Tambor de Crioula, o primo do Maranhão já foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como patrimônio imaterial do Brasil. No Pará um coletivo realiza uma campanha para a concessão da mesma chancela ao carimbó. Autores e intelectuais atuam em frentes diferentes.
Uns tratam da burocracia, enquanto outros organizam memorial sobre os grupos e nomes relevantes de mestres do ritmo, onde flutuam Verequete, Lucindo, Dico, Cizico e Bento, entre outros. E organizam eventos dentro e fora do estado.
A cada domingo, além do Coisas de Negro, os ancestrais são festejados por percussionistas nas manhãs da Praça da República, no Centro de Belém. Ali entre mangueiras, e próximo ao cheio de pompa e circunstâncias Teatro da Paz, não raro os músicos entoam a canção mais popular do gênero: “Chama Verequete! Velejar. Velejar”.
*Lilian Campelo é jornalista. A folkcomunicação foi o tema de seu trabalho de conclusão de curso. Rogério Almeida é autor do livro "Pororoca pequena - marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá".

Nenhum comentário: