por Leonardo Padura*
Havana, Cuba, agosto/2012 – Agosto, para os cubanos, costuma ser o mês mais cruel. Temperaturas em torno dos 34 graus centígrados com umidade relativa entre 70% e 80% são capazes de rachar pedras, com se diz na ilha. Se não existe a ameaça de um furacão (algo muito possível em agosto), o melhor alívio para o calorão costuma ser um banho de mar, mas não são muitos os que, se vivem a certa distância da praia, dispõem de meios, tempo e dinheiro para usufruir dessa satisfação.
Outro recurso poderia ser o ar-condicionado doméstico, mas os custos da eletricidade tornam esta opção um desafio econômico complicado para os que têm a possibilidade de adquirir um destes equipamentos. Com tanto calor e umidade, às vezes até furacões, que se somam às complicações de uma vida cotidiana já por si só complexa (salários insuficientes, tantas casas em mau estado e outros etcéteras), não é por acaso que agosto exacerbe os ânimos e potencialize as frustrações.
Este agosto, no entanto, entrou na ilha acompanhado de duas novas leis – uma delas redesenho da já existente, a outra endurecimento da atuante –, o que, em meio ao calor, fez muitos cubanos falarem delas, com dúvidas e preocupações diversas.
Na mais recente sessão do parlamento cubano, realizada no final de julho, foi divulgada a aprovação de uma nova lei tributária, de cuja letra, vários dias depois, os cidadãos não tinham conhecimento, pois, até onde sei, não havia sido publicada. Do que se teve conhecimento se depreende que, como princípio, a lei impõe maiores tributos aos que têm maiores ganhos, mas, também, torna universal o pagamento ao fisco para todos os cidadãos.
A lei anterior, vigente desde 1994, quando se decidiu voltar a cobrar impostos diretos sobre o ganho (pois os produtos vendidos em divisas já apresentavam um elevado castigo impositivo), os salários ficaram isentos de novas tributações e só deveriam pagar os trabalhadores por conta própria, os vinculados a empresas mistas e setores como o dos criadores artísticos.
Agora, a lei parece contemplar essa obrigação geral, mas… Parece que não se aplicará enquanto os salários não alcançarem níveis que permitam exercer a tributação. Com salários pagos pelo Estado, que – segundo o próprio presidente do país – são insuficientes, seria um disparate reter parte do pagamento quando os cubanos cada vez mais devem pagar preços elevadíssimos por muitos artigos de primeira necessidade, incluída a alimentação, pois uma parte deles deixou de ser subsidiada pelo Estado e passaram a ter preços comerciais.
Além dessa decisão de moratória, mais política do que econômica, entre certos meios (em especial o crescente setor dos trabalhadores por conta própria), surgiu uma onda de comentários e expectativas a respeito dos alcances de uma lei que, curiosamente, os cidadãos e até os trabalhadores do sistema tributário não conheciam.
A outra medida, que afeta de forma direta menos pessoas, embora a muitíssimos de forma concreta, é a nova lei de aduanas que regula o peso e o valor da bagagem dos viajantes que chegam ou regressam a Cuba e os envios de encomendas do exterior. Sem entrar em escabrosos detalhes que seriam inalcançáveis, a essência da lei é que cada residente em Cuba, que faz mais de uma viagem anual ao estrangeiro com “importação”, nos regressos seguintes deve pagar taxas fixadas em moeda conversível pelos produtos cujo valor supere os US$ 51 (com exceção dos remédios); os cubanos residentes no exterior e os visitantes estrangeiros, sempre devem pagar em moeda dura suas importações superiores aos US$ 51, na razão de dez pesos conversíveis (US$ 12) o quilo ou 100% ou até 200% do valor pelo qual foi adquirida a mercadoria. Já as encomendas enviadas do exterior pagarão uma taxa semelhante em moeda conversível, que se aplica a partir dos três quilos de peso ou 30 pesos de valor.
Uma das origens dessa férrea regulamentação é evitar a atividade das chamadas “mulas”, cujo negócio é importar do Panamá, Equador ou de Miami produtos deficitários ou de maior qualidade (e vendidos a preço melhor) com os quais estão abastecendo alguns trabalhadores autônomos em seus comércios de venda de alimentos ou de roupas, por exemplo. Porém, se o propósito da nova lei é limitar esta atividade, que a faz competir com os estabelecimentos do Estado, mal abastecidos e com seus próprios produtos gravados com 240% de lucro em relação ao seu preço de compra (sim, 240%), o efeito que criará será maior.
Isto porque o pagamento em moeda conversível pelas “importações não comerciais” não afetará apenas os que têm a possibilidade de viajar mais de uma vez (poucos, em comparação com o total da população da ilha), mas, e sobretudo, as milhares de pessoas que se beneficiavam com o recebimento de encomendas enviadas por seus familiares (na maioria das vezes, roupa e comida) e outras centenas de milhares que precisam completar sua cesta básica com produtos não subsidiados e comprar sua roupa e uma parte da comida e dos produtos de higiene pessoal (tão necessário com estes calores de agosto) aos preços que causam vertigem nas chamadas lojas arrecadadoras de divisas. Nestes estabelecimentos, por exemplo, o litro de óleo de girassol já está custando 2,80 pesos cubanos conversíveis, algo como a sétima parte do salário médio que o Estado paga…
A reação provocada por esta lei é mais visceral e quase unânime. Nas páginas oficiais cubanas na internet os comentários a respeito da nova medida nunca são favoráveis ao seu conteúdo. Inclusive, um escritor cubano fez circular uma dramática comparação entre os preços de certos produtos e o poder aquisitivo médio de um cidadão mexicano e um cubano, e as diferenças são esmagadoras contra a capacidade de aquisição e o preço dos produtos que devem encarar os moradores da ilha do Caribe… Enfim, neste mês de agosto nem mesmo as Olimpíadas foram muito refrescantes para os cubanos. Envolverde/IPS
* Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas, e sua obra mais recente, O Homem que Amava os Cães, tem como personagens centrais Leon Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.
(IPS)
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