por Guillermo Medina*
Madri, Espanha, fevereiro/2012 – O governante Partido Popular (PP) dá constantes mostras de dominar a estratégia de comunicação e ter a iniciativa. Na oposição ao governo anterior convenceu uma maioria de eleitores de que o problema era o primeiro-ministro Rodríguez Zapatero e que, caso seu candidato, Rajoy, chegasse ao poder, começaria o fim da crise. Era “a mudança”, como taumatúrgico Bálsamo de Fierabrás. Foi uma semeadura de expectativas sem concretização ou mesmo prometendo o que não se podia cumprir.
Uma vez no governo, o PP utilizou a defasagem do déficit orçamentário em 2011 (de 8% em lugar dos 6% previstos) – de sobra percebido anteriormente como inevitável, e devido principalmente à má gestão das Comunidades Autônomas, junto com a entrada em recessão –, para justificar “a mudança da mudança” e elevar os impostos. A partir de então, o governo do PP não esconde a gravidade da situação, pelo contrário. As mensagens dizem que “os dados são de arrepiar”, que os números do desemprego “não melhorarão no curto prazo. E mais, em 2012 vão piorar” (Rajoy em 8 de fevereiro), e que a saída da crise será muito dura e levará tempo.
A intenção do governo é clara: quanto pior for a percepção dos cidadãos sobre a situação e as perspectivas, mais dispostos e resignados estarão para assumir sem rebeldia as reformas, em primeiro lugar a “dura e profunda” reforma trabalhista. Se também o susto nos toma em começo de mandato, as culpas se voltarão instintivamente ao governo anterior.
Até agora, esta estratégia se mostra eficaz para impedir o que em outro caso poderia significar uma queda dramática do apoio ao governo. Assim mostram as pesquisas, incluída a última do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS), que reflete uma exígua perda de apoio popular.
O lado ruim, para todos, dessa estratégia política é que se volte contra as possibilidades de recuperação. De fato, essa sociedade resignada, conformista e, sobretudo, amedrontada (cada vez mais se escreve sobre o medo como fator de manipulação social), estará preparada para aceitar as reformas que o governo quiser. Pode ser, inclusive, que torne inviável uma greve geral neste momento. Contudo, o pessimismo não ajuda o clima propício para que os empresários comecem a contratar e os cidadãos se animem a gastar.
O governo pode cair na tentação de substituir o conceito “estado de bem-estar” pelo de “estado de necessidade”. Este último seria a redução daquele às críticas possibilidades da atual situação e à visão de um Estado truculento pelo imperativo da crise. Uma necessidade que tudo explica e justifica, desde a substituição de governos legitimados eleitoralmente por equipes técnicas, à subordinação do estado de bem-estar a funcionalidades políticas oportunistas. A crise impõe como verdade estabelecida o estreito modelo da rentabilidade dos serviços e das políticas sociais, o que abre doutrinariamente a porta às reduções e privatizações dos mesmos. Assim, a crise como oportunidade (de melhorar e avançar todos juntos) é substituída pela crise como pretexto (o avanço de uns e a paralisação ou o retrocesso de outros em uma sociedade cada vez mais dual).
Naturalmente, o PP sustenta, primeiro na oposição e agora no governo, sua fidelidade inquebrantável aos diferentes componentes reais do estado de bem-estar. Faltaria mais, tratando-se do “partido dos trabalhadores” (María Dolores de Cospedal, secretária-geral do PP). Porém, há sintomas de sobra de que o que começa como uma “reestruturação do estado de bem-estar para torná-lo viável” acabará sendo, por causa de uma revisão reducionista e tecnocrática da crise, um profundo redimensionamento para baixo.
A instalação da ideia de que a necessidade chegou para ficar – o estado de necessidade – se vê reforçada, e utilizada, quando os Estados e os governos nem mesmo pretendem ocultar sua impotência diante da crise, e renunciam à política em benefício da nebulosa que chamamos mercados. Longe de se rebelarem contra a hegemonia destes, encontram em seu poderio o manto que cobre suas próprias culpas, erros e inépcias. E se alguns protestam diante de tal deriva degradante da própria democracia, aí está outra das ferramentas anestésicas: a culpa de nossos males é nossa, por termos desejado viver acima de nossas possibilidades. Assim, genérica e coletivamente, participamos em responsabilidades que diluem as graves culpas das minorias verdadeiramente culpáveis.
Quais serão as consequências sociais e políticas de tudo isto no médio prazo? Esse estado de necessidade dará lugar a um estado de resignação? Ouço opiniões no sentido de que o governo tem caminho livre para realizar seu projeto, inclusive a parte não manifestada, sem que precise temer uma reação social significativa. Pode ser que seja assim nesta etapa. Entretanto, seria ruim confundir resignação com inibição, e mais ainda com conformidade e apoio. A resignação nunca é um estado psicológico permanente, podendo incubar a rebeldia. Sobretudo se, confundido pelo limitado do protesto social ativo, o governo desativa, em nome de seus objetivos fiscais, os mecanismos de coesão e solidariedade social que permitem a paz social em tempos de crise. Não se deve esquecer que o estado de bem-estar, ainda que temperado pelas circunstâncias adversas, não é apenas uma necessidade social – nem mesmo um conceito “de esquerda” – ,sendo também um elemento necessário para o funcionamento equilibrado do sistema e para o progresso econômico das sociedades democráticas europeias desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Envolverde/IPS
* Guillermo Medina é jornalista e escritor, ex-diretor do jornal YA, ex-deputado e ex-presidente da Comissão de Defesa do Congresso espanhol.
(IPS)
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