Por que ser Vadia?
Escrito por Administrador 19:22:00 23/05/2012
Em janeiro de 2011, na Escola de Direito
Osgode Hall em Toronto no Canadá, um policial ministrava uma palestra
sobre segurança para as/os estudantes. Em determinado momento da
palestra disse: “As mulheres devem evitar vestir-se como vadias, para
não se tornarem vítimas de ataques”. Logo depois as estudantes dessa
mesma Universidade saíram às ruas em protesto contra o discurso de
culpabilização das vítimas de violência sexual e de qualquer outra forma
de violência contra as mulheres, e dizendo não, minha roupa não é um
convite ao estupro. Foi a primeira Slut Walk!
No
Brasil, no segundo semestre desse mesmo ano, traduzindo a “Slut Walk”, a
Marcha das Vadias ocorreu em diversas cidades brasileiras.
Internacionalmente a Marcha atingiu mais de 10 países. Este ano a Marcha
das Vadias da Capital Federal segue o calendário da Marcha Nacional da
Vadias, 26 de maio. Em 2011 foram mobilizadas mais de 2 mil pessoas e
nesse ano a expectativa é ainda maior: 5 mil mulheres, homens e crianças
marchando pelo fim da violência contra a mulher, por seu direito de ir e
vir sem sofrer nenhum tipo de humilhação, repressão ou violência.
A
violência contra a mulher assume as mais variadas formas e
justificativas, quantos e quantas não se pegaram dizendo ou pensando
“Mas também com aquela roupa...” “Beber que nem homem dá nisso!” O
comportamento da mulher sempre foi vigiado pela Igreja, pelo Estado,
pelos pais, pelo tio, pelo irmão mais velho, pelo namorado. Esses
últimos reproduzem o que a moral vigente colocou, como se a forma mais
justa de nos relacionarmos fosse à subjugação de um ser pelo outro. Não
importa quem sustente a casa, não importa em que grau na relação de
poder a mulher se encontre, a vigilância predomina.
O
misto dessa relação que subjuga a mulher, essa concepção de
comportamento de que mulher é a frágil, a dócil, a mãe que padece no
paraíso, - chegando até a santificar com o termo o “dom de dar a vida”.
Qualquer comportamento que vá contra, não seguindo esses padrões, é
encarado e respondido com violência, seja ela psicológica, física,
moral, sexual ou patrimonial.
Segundo
a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado da
Fundação Perseu Abramo/SESC, uma em cada cinco mulheres consideram já
ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem,
conhecido ou desconhecido”. Diante de 20 modalidades de violência
citadas, no entanto, duas em cada cinco mulheres (40%) já sofreram
alguma, ao menos uma vez na vida, sobretudo algum tipo de controle ou
cerceamento (24%), alguma violência psíquica ou verbal (23%), ou alguma
ameaça ou violência física propriamente dita (24%).
A nossa sociedade marcada pelo patriarcado exerce em sua relação, não por acaso, uma moral burguesa, que perpassa pelo homem o poder de mando e desmando nas relações familiares e que estende a ele a autoridade sobre a mulher e os/as filhos/as e empregados/as como sua propriedade, o coloca em uma posição superior em relação à mulher, que lhe permitia em âmbito privado, não ter suas atitudes questionadas.
Toda
essa lógica ainda é concedida tanto por autoridades religiosas que
compactuam com essa dominação, quanto pelo modelo de sociedade
conservadora que temos e o seu modo de produção, que acabam por
estimular esse tipo de hierarquia que promove a desigualdade entre
homens e mulheres.
O
que antes era visto apenas como caráter privado, hoje depois de muita
luta vem se tornando também de esfera pública. Temos leis específicas
que visam proteger as mulheres de seus agressores, tendo a Lei Maria da
Penha como a principal delas. Atualmente o Governo Brasileiro por meio
da SPM - Secretaria de Políticas para as Mulheres visa atender as essas e
outras demandas que perpassam pelo recorte de gênero. O Estado não está
dissociado da sociedade e dela compõe, e não fica livre também de
visões, percepções conservadoras que incidem diretamente nas políticas.
Também o Movimento de Mulheres exerce um papel fundamental de pressionar
e por vezes pautar a que lógica essas políticas devem ser concebidas,
visando sempre a autonomia da mulher e, com isso, sua emancipação.
Os
números revelam que lógica de sociedade vivemos: segundo o Relatório
Anual de 2011 do Centro de Atendimento à Mulher - Ligue 180, 93,52% das
ligações com relatos de violência eram de violência doméstica e
familiar; 72,23% dos casos são acometidos por companheiros e cônjuges
das vítimas e 2,23% são namorados das mesmas. Há ainda um elevado número
de casos de violência cometidos por ex-maridos (11,82%) e ex-namorados
(4,47%). Isso demonstra que em quase 91% das agressões são acometidas
por pessoas com que as vítimas tem ou tiveram vínculos afetivo.
Pode-se dizer que o âmbito familiar, sendo a família
no molde conservador encarado como uma das instituições que reproduzem a
lógica patriarcal, mesmo não ocorrendo violência física, há a
reprodução advindas dele, o sexismo, o machismo, a
homo-lesbo-bi-transfobia, misoginia, entre tantas outras formas de
opressão que são manifestadas nos mais diversos lugares de convivência
social.
Finalizando
os números, segundo o Relatório Anual de 2011, sabe-se que 59,51% das
vítimas não dependem financeiramente do agressor. De posse desses
índices problematiza-se que a elaboração das políticas devem construir
mecanismos para além da autonomia financeira, mas também emocional e
social das mulheres.
Devemos
mudar essa nossa cultura conservadora e machista que ditam regras
sociais, abrindo espaço para todo e qualquer tipo de violência contra a
mulher. Devemos nos espaços privados começar a repensar qual papel você
exerce e quais atitudes são reproduzidas. Temos que questionar,
desconstruir, não encarar como natural que a figura feminina sempre está
numa relação desvantagem, o social é construído e o acaso não tem vez
nas relações de poder.
A Marcha das Vadias é um movimento que vai às ruas para questionar o papel que nos é colocado enquanto mulheres. A palavra vadia tanta vezes usada para ofender e machucar, hoje passa por uma ressignificação, estratégia essa usada pelo movimento. Porque somos chamadas de vadias a todo o momento, seja diretamente quando falamos sim e o sexo rola, seja quando dizemos não e o ego masculino fica ferido, ou seja, em qualquer mesa de bar, quando um desses casos é contado para os amigos. Somos chamadas de vadias se exercemos a nossa sexualidade livremente, tal qual o homem exerce e sendo estimulado para isso, se caso quiser. Somos chamadas de vadias se usamos um decote, uma saia, uma roupa justa enquanto essa vigilância sobre os corpos não é voltada em nenhum grau ao homem. Somos chamadas de vadias por transar com quem e quantos quisermos, vestir o que quisermos, nos comportar da maneira que mais nos agrada, somos chamadas de vadias por queremos ser livres.
Se ser livre é ser vadia, somos todas Vadias!
Gil Piauilino
Estudante de Serviço Social da UnB
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