Murilo Portugal, o presidente do sindicato brasileiro dos bancos (a Febraban), resolveu peitar a prioridade da Presidenta Dilma Rousseff no decisivo braço-de-ferro para derrubar os juros. Em vez de apresentar um cronograma de corte das taxas, como esperava o governo, cobrou 'incentivos e desonerações' ao setor mais lucrativo da economia para baixar o spread. Com a soberba típica dos centuriões da plutocracia, divulgou a lista das 'condicionalidades' através do dispositivo midiático, ao mesmo tempo em que a apresentava em Brasília para sentenciar em seguida: 'A bola agora está com o governo'.
Murilo Portugal acha que a diferença entre o que os bancos lucram captando a 9,5% numa ponta do guichê,e as taxas siderais de 50% a até 80% ao ano que cobram quando o recurso vira crédito é estreita. O spread médio brasileiro é o mais alto do mundo, da ordem de 37%. O spread alto, alega o dirigente da Febraban, embute tributos, custos de inadimplência e a 'insegurança jurídica' do país. Portugal fala como se impostos e riscos fossem uma singularidade da esfera bancária. Levada ao pé da letra sua lenga-lenga conduz a um capitalismo dotado de todas as salvaguardas aos detentores de liquidez, mas absolutamente desregulado no que tange à acumulação de lucros pelo capital a juro. Um paraíso neoliberal.
Murilo Portugal é um veterano da piscina ortodoxa onde se nada a contrapelo dos interesses do país. Tem uma estante fornida de troféus conquistados nessa modalidade. Secretário do Tesouro entre 1992 e 1996, nos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, tornou-se famoso pela sanha em cortar gastos na esfera pública. Vem daí o mimoso apelido que despejam nas suas costas até os mais cordias companheiros de ministério desse tempo: 'Murilinho -mãos -de-tesoura'.
Indicado pelo tucanato como representante brasileiro junto ao FMI, valeu-se de suas relações para manter-se no cargo no início do governo Lula. Quando Nestor Kirchner decretou a renegociação unilateral da dívida argentina de US$ 145 bilhões, em 2003, ele perfilou ao lado dos caças rentistas. Agindo como se falasse em nome do Brasil, pilotou vôos rasantes para derrotar o mau exemplo da Casa Rosada. Depois se soube: Murilo tinha a cobertura do então ministro da Fazenda Antonio Palocci (a quem posteriormente serviria como Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, de 2005 até a queda do aliado, em 2006).
Obsessivos em manter uma distancia sanitária entre Brasília e a heterodoxia argentina, chegaram a operar então para que o Presidente Lula não atendesse a chamados telefônicos insistentes de Nestor Kirchner em busca de apoio. A moratória deu certo. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. Lula penitenciou-se tornando-se um dos mais empenhados defensores do governo de Cristina Kirchner.
Quando Palocci caiu, em 2006, uma coalizão midiático-mercadista ainda tentou fazer do secretário-executivo seu sucessor 'natural'. Não vingou. Guido Mantega assumiu.O Brasil iniciou a longa travessia para uma política econômica heterodoxa. Murilo seria então resgatado pelos mercados de volta ao FMI, onde ocuparia o posto de vice-diretor-gerente do Fundo, o terceiro posto mais importante na hierarquia do organismo. Em janeiro de 2011 saiu de lá para se tornar o primeiro presidente não banqueiro (juridicamente falando) do sindicato brasileiros de bancos.
A trajetória ajuda a entender a raiz política de sua resposta ao esforço do governo para reduzir os juros e preservar o crescimento do país em meio à desordem econômica planetária. A desfaçatez torna-se mais transparente quando se sabe que a banca brasileira é uma das mais lucrativas e menos tributadas. Pesquisa do Inesc, de 2007, mostra que o lucro dos bancos brasileiros aumentou 446% entre 2000 e 2006, enquanto o IR do setor só cresceu 211%.
Em termos absolutos os assalariados brasileiros pagam quatro vezes mais imposto do que os bancos no país. Sempre que a sociedade precisou do sistema financeiro privado a supremacia do interesse leonino predominou sobre o compromisso compartilhado. No colapso de 2008, os bancos estatais mais que dobraram seus empréstimos para compensar a contração da liquidez internacional.
Entre 2008 e 2011, o saldo das carteiras do BB, Caixa Econômica e BNDES, entre outros, cresceu 123%; o desempenho da banca privada foi inferior à metade disso: 55%. Não fosse o contrapeso do crédito estatal o país teria mergulhado na recessão. A justificativa dada então pela Febraban para o arrocho revelou-se um gigantesco erro de prognóstico. Em vez de aumentar, como previa, a inadimplência diminuiu no período.
No caso do BNDEs, por exemplo, o maior banco estatal de desenvolvimento do Ocidente, alvo permanente da fuzilaria dos 'Murilos mãos e tesoura' contrários aos critérios desenvolvimentistas do banco, a taxa de inadimplência acima de 90 dias é de irrisórios 0,12%. Na média,a inadimplência no sistema financeiro estatal é hoje inferior à metade da registrada nas corporações de crédito privadas (2,1% e 4,8%). Como se vê, Murilo e o sindicato dos bancos devem explicações ao país. O episódio do spread é só mais um capítulo dessa dívida.
Comentário do blog: Coitado dos bancos privados (Itaú, Bradesco, HSBC, Santander e outros) lucram tão pouco?! se reduzirem os juros aos seus clientes (pessoas físicas e jurídicas) vão acabar precisando de um PAC Financeiro governamental. Se o governo não criar nem instrumento proibiditivo, as casas bancárias privadas vão acabar pegando financiamento nos bancos governamentais (BB, Caixa, BNDES, Banco do Nordeste, BASA) a juros menores e recolocá-los nas suas carteiras de crédito para emprestarem a juros mais (e bote mais) elevados aos seus clientes. A usura que já foi considerada pecado pela igreja católica (não é mais considerada graças a reforma protestante do século XVI, leia Martinho Lutero), poderia ser considerada, na atualidade, crime de “lesa pátria”, talvez assim, os “agiotas jurídicos” pudessem ir “para trás das grades”
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