Mapa de Mosqueiro-Belém-Pará

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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Muriramba

Por Alcir Rodrigues

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( Vista parcial da enseada do Muriramba)

 

Acolá, como pequenas tsunamis,

vêm vaticinando, lépidos,

os rugidos do mar-baía,

em forma de ligeiros tigres

―com garras e dentes espumantes ―

que atacam e dilaceram

a carne da indefesa falésia

da charmosa enseada do Muriramba...

 

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( Outra vista parcial da enseada do Muriramba)

 

Sangrando, a tabatinga vermelha

se desmancha, manchando

o pardo plasma do mar,

lavando e tingindo areias e rochas,

deslocando devagar as pedras da camboa,

remota lembrança ali deixada

por nossos ancestrais, pedaços

da história viva em pedras,

mixados ao fantasma dos peixes,

siris e camarões, afugentados todos

pela predatória captura industrial...

GEDC4445

( Mais umav ista parcial da enseada do Muriramba) 

 

As garras e dentes espumantes

na verdade sorriem e gargalham,

com sarcasmo

lembrando da afamada máxima:

 

                “Água mole,

                                 em pedra dura,

            tanto bate,

                                             até que fura”...

 

Mas os rugidos espumantes, ali,

não só dilaceram e arrancam nacos,

também lambem e acariciam,

transmudando-se em canções,

barcarolas de ninar, alimentando os devaneios

de quem vê e ouve, além de tudo o mais,

a fantasia e a beleza

de uma perenidade

de

          vaivém e enche-vaza, ondas

       de seres e sombras

, úmidos sons e ecos líquidos

                                  da dança da infinitude do devir...

 

 

 

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(Camboas no Ariramba, com vista da barraca Boêmios, próximas da Embratel. São resquícios do tempo passado, vestígios ancestrais que se recusam -–ainda bem!—a desaparecer, apesar dos apelos massivos e cruéis do “progresso”…)

                           *          *          *

Aproveitando a temática evocada pelo poema, vale a pena conversar sobre duas palavras: ‘Muriramba’ e ‘camboa’. A primeira é tratada hoje como um ‘amálgama’ lexical; ou seja, uma fusão de partes de vocábulos (dois ou mais), originando um híbrido vocabular. Por isso, alguns estudiosos do idioma materno (o português, na expressão brasileira da língua de origem lusa), também usam a terminologia ‘palavra-valise’, por conter dentro de uma palavra outras delas; ou ‘palavra-centauro’, neste caso, acentuando-se, mais ainda, o hibridismo vocabular. Fiquemos com o primeiro. ‘Muriramba’, na Ilha (do Mosqueiro), dá nome à enseada singela que intersecciona as enseadas das praias do Murubira (onde habitaram os indígenas da tribo dos ‘Morobiras’; daí sua denominação) e do Ariramba (espécie pequena de pássaro mariscador, conhecido também pelo nome de martim-pescador, com ocorrência comum naquela área, de onde vem a denominação da praia).

Já a palavra ‘camboa’, de origem tupi, consultando o Vocabulário terminológico cultural da Amazônia paraense (OLIVEIRA, Maria Odaissa Espinheiro de. Belém, EDUFPA, 2005. v. 2, p 70), tem a seguinte entrada no verbete:

Camboa: s.f. Lago artificial à beira-mar, no qual durante a maré alta o peixe miúdo entra. Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica seco com o refluxo.

[Vejamos este exemplo dado no livro citado]

“[…] O Coló simplesmente desapareceu da popa da canoa na camboa, no pesqueiro, e até hoje ninguém sabe que fim levou o Coló[…] (C.C.Onde está Coló? Histórias de Cobra Grande. f. 273. Informante – Agripino Almeida da Conceição. Pesquisadora –Ana Cristina Lopes Borges ).”

Em dicionário eletrônico Aurélio, encontrei o seguinte:

Camboa

(ô). [Do tupi.]
S. f.
1.     Cercado armado em pequena depressão, junto ao mar, onde, na maré baixa, fica retido o peixe miúdo que ali penetra na preamar.
2.     Bras.  N.E.  Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica em seco com o refluxo. [Var., nesta acepç.: gamboa]
3.     Bras.  MA Processo de pesca em que diversos pescadores, armados com a tarrafa, cercam com as suas canoas o cardume de peixes. `

Para nós, válidas são as duas primeiras acepções.

aproveitando o ensejo em que nos referimos à praia do Ariramba, reproduzimos abaixo uma grande passagem, muito bem-humorada,  da Apresentação do livro Ilha,capital Vila (ROCHA, Cândido Marinho. Ilha, capital Vila. Belém: Falangola, 1973, pp. 12-13):

Recentemente, [naquela época, 1973] um cronista social de Belém passou a citar a Ilha com o adorável adjetivo de bucólica, no sentido de inocente, simples, graciosa e não, certamente, como pastoril ou campestre. Considerando injusta a generalização do título, porque a Ilha não é totalmente pastoril, inocente, simples, graciosa e campestre – resolvemos modificar a qualificação. assim, consideramos bucólica a área abrangida pelos bairros e praias do Chapéu Virado e do Farol por serem os mais prestigiosos pelo elevado nível financeiro dos seus frequentadores, constituída a nomeação assim como uma espécie de sofisticação daqueles bairros. À Vila, em cujo mercado municipal é vendida uma indefinível sopa, demos o título de cólica. Ao bairro Morubira [SIC!], cujas praias apresentavam-se crivadas de pedregulhos, com raras casas de valor e de reduzido movimento social, coube a designação de melancólica. A bela praia do S. Francisco, assim titulada em homenagem a insigne santo da igreja e onde começam a surgir os primeiros prédios custosos, passou a ser católica. Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há la o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de volei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde. Uma cabana chamada “Matapy” –em forma de guarda-sol coberto de palhas – é curiosa “boite” [boate, em português] e sede de tertúlias e serenatas, drincagens elegantes. Merece tudo isso justificado capítulo. Os arirambenses fundaram a “Sociedade dos Amigos de ariramba”, que promove o bairro em tempo de férias e das festas da igreja local´. É Ariramba – nome de pássaro que é o mesmo “Martin-Pescador” – pela atração do “Ponto Certo”, onde se bebe, recita e canta, e por sua frequência de gente sem preconceitos, gente natural e fraterna, muito procurada pelos banhistas de todos os outros bairros. À porta e ao balcão do despretensioso bar, aglomeram-se crianças, jovens, senhoras, cavalheiro, em qualquer traje, sem inibição alguma, para amplo relax, em variados tipos de bebidas. Por tudo isso, Ariramba é conhecida como a alcoólica.

Areião, velha e abandonada praia, possuiu grandeza n’outros tempos. Seu prestígio foi exageradamente aumentado pelos episódios decorrentes do rapto de Mainha pelo nosso personagem Zozó. Às vezes desce de prestígio, também exageradamente, pelo acúmulo dos detritos da maré que nela encostam. Consequência: é a hiperbólica.

Em suma, é assim a Ilha. Nem muito autêntica, nem muito irreal.

Tal como no livro.

                             Belém, dezembro de 1972.

(Palavras do próprio Cândido Marinho Rocha, no fundo, um admirador de Mosqueiro, mas também um grande gozador)

                                         *          *          *

Que pensaria Cândido Marinho se soubesse que, décadas mais tarde ao que escreveu, tanto descaso, desprezo e menosprezo pela limpeza e beleza da praia amada e decantada em prosa poética por ele fosse demonstrada pela agência distrital e prefeitura de Belém?

Confira, abaixo, o fato, comprovado em foto, que não me deixa mentir:

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(Fotos batidas na manhã de 21/01/2012 (sábado), por volta das 10:30h. Note-se, ao fundo das duas primeiras fotos, o complexo de torres da Embratel, comprovação cabal de que se trata da praia do Ariramba.)

                                            *     *     *

Apear da desadministração de Dudu e Ivanselina (Ô dupla dinâmica!), a praia ainda tem seu charme, seu pitoresco, sua beleza…

Retomemos as palavras de Marinho Rocha: “Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há la o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de volei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde.”

Vejamos essa beleza, nas fotos a seguir, mesmo numa manhã chuvosa:

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(Foros batidas em 21/01/2012)

                                          *     *     *

AS CAMBOAS

Mas é importante salientar que em outros pontos de Mosqueiro as ‘camboas’, uma de nossas riquezas ancestrias, também ocorrem, fato referido na narrativa oral do Sr. Zeca Broa (infelizmente, já falecido há poucos anos), como de fato ele é conhecido pelos amigos.

Narrativa oral do Sr. José Bentes Bahia

Em meio a uma conversa informal, na sua propriedade, bem na beira de um igarapé (chamado de Tamanduaquara) o entrevistado, entre outras histórias, umas sobrenaturais, outras relatando fatos do cotidiano de outrora, algumas jocosas, relatou-nos esta:

Se eu for te contar história, meu irmão,é o dia inteirinho te contando história daqui do Mosqueiro. Tem história bonita e tem história feia.

Esse negócio de achar dinheiro, isso não é mentira, não. O pessoal já acharam muito dinheiro. Porque no livro mesmo diz que a maior fortuna tá enterrada na Baía do Sol, dos cabanos, que aqui tinha o maior forte cabano... a maior... soldado, exército... O Angelim que veio pra cá, o Eduardo Nogueira Angelim, ficou na Baía do Sol, né. Então, lá eles fizeram a camboa. Tem camboa na Baía do Sol que fica a cobra grande, entendeu? Tem até hoje.

Então, lá que eles conseguiram sustentar, né. Tinha 4 mil homens. Quando eles fracassavam em Belém, que eles saía daqui, eles ganhavam a guerra em Belém. Tinha muita gente, soldado.

Então diziam que aqui tá todo o dinheiro, dinheiro vivo. Diz que aqui tá todo o dinheiro enterrado da cabanagem, que eles pegavam todo o dinheiro dos caras, tomavam o dinheiro.

Inclusive, tem uma história do velho Ângelo, do velho Ângelo da Baía do Sol,pai do Beca. Tinha um preto que ficava lá dentro da taberna dele, (...) com ele... Tinha uma parte que vendia peixe que só, peixe. Tinha peixe salgado, que ele mandava praí pro Moju,pra trocar com farinha, milho... encheu canoa pra lá... E tinha um cupuaçuzar lá, tem um cupuaçuzar. Aí ele pegou e disse pro preto assim:

─ Preto ─ chamou lá o nome do preto ─ vai roçar, vai cair cupuaçu, vai logo roçar lá debaixo do cupuaçuzeiro, pra quando começar a cair não dar trabalho.

Aí o cara pegou o terçado e saiu pra lá, e ainda levou o filhozinho dele. Aí, tinha umas árvores dentro do mato. Ele pegou e disse assim:

─ Vai lá naquelas árvores lá.

Aí, quando ele viu, o preto velho, o moleque chegou com o pote.

─ Olhe, pai, esse pote que eu achei no cupuaçuzeiro.

Aí, o velho disse assim:

─ O que deixaram aí nesse pote? Destampa.

Destampou o pote. Tava cheio de moeda de ouro. Era grego... Que naquela época era libra, libra esterlina, né, libra. Era em grego, italiana, né? Aí ele pegou, botou a porra do pote no ombro. Chegou lá, entrou pelo lado assim, que era separado o peixe, era separado do comércio. Aí, ele botou o pote em cima da banca lá. Aí, chegou lá. O velho Ângelo, ele tomava uma cachaça, o velho Ângelo também tomava uma; tomava uma, ele tomava uma...

Aí, ele pegou o velho Ângelo assim pelo braço e disse:

─ Olha, português filha da puta, tu deixa de sacanagem comigo, viu? ─ O preto velho dizendo pro velho Ângelo.

Aí ele:

─ Por que, já?!... Que é?!...

─ Vem cá.

Ele se levanta, chega:

─ Olha lá, vê, foste bota, foste bota o pote cheio de dinheiro lá, pensando que eu sou ladrão. Eu não sou ladrão. Te manca comigo! Te manca comigo, português, viu? Te manca comigo!

Aí, o velho Ângelo disse pra ele:

─ É... agora eu to satisfeito, que deu pra ver que tu não é ladrão. Vai botar isso debaixo da cama.

Ele pegou e foi botar debaixo da cama. O filho do preto é que tirou uma moeda, entendeu? Ele usava, usava diz que lá na Baía do Sol, usava com um fio amarrado no pescoço, a moeda.

Pra tu ver... Aí que o velho Ângelo ficou rico demais, ficou. Essa história todo mundo conta lá na Baía do Sol. Não sou eu, não...

Tem enes histórias que tem no Mosqueiro... Eu te falei outro dia que não tá fazendo 10 anos, não tá fazendo 10 anos, o cara achou aqui no Mari-Mariaçu?... Já ouviste contar essa?

─ Não...

Palavra! Tá ali! Se tu quiser entrevistar o cara, tu vai. Tá vivo o cara! Olha, é mais ou menos assim... Eu não sei bem como é a história... Mas é mais ou menos... Uma vez fui pegar tucunaré, que lá tem muito tucunaré, tem uma mangueira...

E, com a uma expressividade contagiante, seu José quase não me deixava partir para casa, de tanta história que conhece e queria me contar.

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(Foto batida pelo autor do texto, em fevereiro de 2006. Mostra o Sr. José Bentes Bahia em sua propriedade à beira do igarapé Tamanduaquara, no dia em que me concedeu entrevista. Uma figura o ‘seu’ Broa, como era conhecido por muitos. Muito obrigado, Seu Broa!)

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