Novo livro de István Mészáros, lançado no Brasil pela Boitempo, situa Jean-Paul Sartre em relação ao pensamento do século XX e aborda sua trajetória em todas as suas manifestações – como romancista, dramaturgo, filósofo e militante político. Interrogado sobre o motivo que o levou a escrever sobre Sartre, Mészáros respondeu: “Sempre senti que os marxistas deviam muito a ele, pois vivemos numa era em que o poder do capital é dominador, uma era em que a ressonante platitude dos políticos é que ’não há alternativa‘. Sartre foi um homem que sempre pregou exatamente o oposto: há uma alternativa, deve haver uma alternativa.
Redação
Publicado originalmente em 1979, o livro A obra de Sartre: busca da liberdade deveria ter tido um segundo volume intitulado O desafio da história, o qual analisaria a concepção sartriana de história. Devido a outros projetos, entre os quais a obra-prima Para além do capital, István Mészáros pôde retomar essa análise somente na presente edição, ampliada e atualizada, que a Boitempo disponibiliza ao leitor de língua portuguesa antes mesmo de seu lançamento em inglês. O livro situa Jean-Paul Sartre em relação ao pensamento do século XX e aborda sua trajetória em todas as suas manifestações – como romancista, dramaturgo, filósofo e militante político.
Escritor algum foi alvo de tantos ataques, de origens as mais variadas e poderosas, quanto Sartre: “Em 1948, nada menos do que o governo soviético de Stalin assume posição oficial contra o filósofo e, no mesmo ano, um decreto especial do Santo Ofício coloca no Index a totalidade de suas obras”, lembra Mészáros. Quais as razões disso? E como é possível que um indivíduo sozinho, tendo a caneta como única arma, seja tão eficiente como Sartre numa época que tende a tornar o indivíduo completamente impotente? Os escritos do filósofo marxista buscam não apenas as respostas, como também formulam novos questionamentos sobre a vida e a obra de Sartre, elucidando sua contribuição para o mundo.
Quando interrogado recentemente sobre o motivo que o levou a escrever sobre Sartre, Mészáros respondeu: “Sempre senti que os marxistas deviam muito a ele, pois vivemos numa era em que o poder do capital é dominador, uma era em que, significantemente, a ressonante platitude dos políticos é que ’não há alternativa‘. [...] Sartre foi um homem que sempre pregou exatamente o oposto: há uma alternativa, deve haver uma alternativa; como indivíduos, devemos nos rebelar contra esse poder. Os marxistas, de modo geral, não conseguiram dar voz a isso”.
Ao afirmar tão categoricamente a importância de Sartre para a formação das novas gerações, Mészáros não defende sua escolha filosófica, ou seja, o existencialismo, mas compartilha plenamente de sua meta: a necessidade de uma rebelião contra o saber do “não há alternativa”. “Este livro pode ser visto como o encontro de duas atitudes que convivem num mesmo autor e o vinculam àquele que é o seu objeto de estudo: a profunda afinidade política e a enorme discordância filosófica que se podem constatar na relação entre Mészáros e Sartre. O que se eleva acima das controvérsias conceituais é a defesa de uma causa, o resgate de esperanças e expectativas maiores do que os instrumentos doutrinais que utilizamos para tentar realizá-las”, ressalta o professor de filosofia da Universidade de São Paulo Franklin Leopoldo e Silva na orelha do livro.
Para Mészáros, a importância da mensagem intransigente de Sartre sobre a necessária alternativa é maior hoje do que já foi anteriormente. O filósofo francês não viveu para ver grande parte das pessoas engajadas daquela época se render aos poderes da repressão em nome do privatismo e do individualismo. Por esse motivo, Sartre é hoje uma lembrança terrível e ao mesmo tempo imprescindível.
Trecho do livro
“A obra de Sartre cobre uma área imensa e apresenta uma variedade enorme: desde artigos ocasionais até um ciclo de romances, desde contos até sínteses filosóficas vastas, desde roteiros cinematográficos até panfletos políticos, desde peças de teatro até reflexões sobre arte e música, e desde crítica literária até psicanálise, assim como biografias monumentais, tentando captar as motivações interiores de indivíduos singulares em relação às condições sócio-históricas específicas da época que os moldou e à qual, por sua vez, ajudaram a transformar. Não se pode dizer, contudo, que as árvores ocultam o bosque, muito pelo contrário.
O que predomina é a obra global de Sartre, e não determinados elementos dela. Embora, sem dúvida, se possa pensar em obras-primas específicas dentre seus inúmeros escritos, elas não respondem por si sós pela verdadeira importância que ele tem. Pode-se até mesmo dizer que seu ’projeto fundamental‘ global, com todas as transformações e permutações multiformes que sofreu, é que define a singularidade desse autor inquieto, e não a realização sequer de sua obra mais disciplinada.
Pois é parte integrante de seu projeto que ele constantemente mude e revise suas posições anteriores; a obra multifacetada se articula mediante as transformações dela mesma, e a ’totalização‘ é atingida mediante incessante ’destotalização‘ e ’retotalização‘. Desse modo, sucesso e fracasso tornam-se termos muito relativos para Sartre: transformam-se um no outro. ’Sucesso‘ é a manifestação do fracasso, e ’fracasso‘ é a realidade do sucesso.”
Sobre o autor
Autor de extensa obra, ganhador de prêmios como o Attila József, em 1951, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, e o Premio Libertador al Pensamiento Crítico, em 2008, István Mészáros se afirma como um dos mais importantes pensadores da atualidade. Nasceu no ano de 1930, em Budapeste, Hungria, onde se graduou em filosofia e tornou-se discípulo de György Lukács no Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália. Ministrou aulas em diversas universidades, na Europa e na América Latina e recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia pela Universidade de Sussex em 1991. Entre seus livros, destacam-se Para além do capital – rumo a uma teoria da transição (2002), O desafio e o fardo do tempo histórico (2007) e A crise estrutural do capital (2009), publicados pela Boitempo.
Repostado do portal Carta Maior
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